Marina Amaral, diretora executiva da Agência Pública
Quanto mais o presidente Jair Bolsonaro odeia os jornalistas, mais os profissionais mostram o seu valor para a democracia e os direitos humanos. Nesta semana, observamos o impacto das investigações e denúncias da imprensa em pelo menos três casos reveladores da corrosão das leis e da ética neste governo: o abandono de indígenas e indigenistas pelo órgão federal que deveria defendê-los e a ausência de qualquer política pública na Amazônia; a absurda série de violações dos direitos fundamentais de uma menina estuprada e grávida por parte de profissionais de saúde e da Justiça; a corrupção no Ministério da Educação, com a benção declarada de Bolsonaro, prejudicando milhões de alunos, suas famílias e a sociedade.
O ex-ministro Milton Ribeiro e os pastores amigos se safaram rapidamente da prisão, por obra de um desembargador com planos de ascensão na carreira, que ainda assim reconheceu que a investigação policial aponta para “fatos gravíssimos”. O escândalo foi revelado pelo Estadão, e outros veículos, como a Agência Pública, também descobriram saques no orçamento do MEC, através das malfadadas emendas do relator, que desviaram dinheiro público para favorecer aliados.
Ainda que Ribeiro responda ao processo em liberdade, porém, as reportagens resultaram em uma prisão inédita de um ministro da Educação, na quebra de sigilo dele, da esposa e dos pastores, e na circulação das informações de interesse público que, na democracia, podem ser utilizadas para a pressão pela punição dos responsáveis e são imprescindíveis para o eleitor que vai escolher um novo presidente este ano. Esta é a nossa missão.
Os jornalistas também tiveram papel determinante nas investigações dos assassinatos de Bruno e Dom, não apenas para que não fiquem impunes, mas para evitar que a polícia utilize métodos ilegais contra suspeitos ou encerre os trabalhos antes de chegar aos mandantes, que continuam colocando em risco a vida dos indígenas e servidores da Funai no Javari. Mais do que isso, reportagens produzidas pela equipe da Agência Pública, mostram que os assassinatos do indigenista e do jornalista estão intimamente ligados a decisões recorrentes deste governo contra a fiscalização ambiental, a Funai e os direitos indígenas.
Fato evidente não apenas nessa cobertura, mas em todo trabalho investigativo sobre a violação de direitos na Amazônia que fazemos desde 2012. Esperamos que ao menos o delegado da Polícia Federal, Marcelo Xavier, seja afastado da presidência da Funai, como pede o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, vinculado ao Ministério da Justiça. Entre as razões apontadas pelo conselho para a destituição de Xavier, estão as denúncias de que a atividade policial já diminuiu no Vale do Javari, onde as ameaças continuam.
Também foi o trabalho jornalístico conjunto do Portal Catarinas e do Intercept Brasil que escancarou o martírio sofrido por uma criança, não somente por ser vítima de estupro, o que já seria demais, mas pela forma com que foi tratada em um hospital público – o Hospital da Universidade Federal de Santa Catarina – que se recusou a fazer o aborto pedido pela menina e por sua mãe, previsto no Código Penal, e pela Justiça. As atitudes da promotora Mirela Dutra Alberton, que afastou da família a criança em sofrimento, e da juíza Joana Ribeiro Zimmer, cujos diálogos criminosos com a vítima foram vazados em vídeo obtido pela reportagem, chocam não apenas pela falta de humanidade mas pelo aparente desconhecimento da lei por parte de duas autoridades. Se todas as mulheres têm direito ao aborto em caso de estupro, imagine uma criança violentada! Notem: as crianças são prioridade absoluta pela Constituição Federal, inclusive para atendimento médico e da Justiça. Ontem (23) o Ministério Público Federal anunciou que a garota conseguiu finalmente efetivar o aborto legal. Um desfecho que dificilmente teria acontecido se não fosse a reportagem de Paula Guimarães, Bruna de Lara e Tatiana Dias.
A correção das injustiças, a qualificação do debate democrático através da informação de qualidade, a mobilização da sociedade por um país menos cruel e desigual são os objetivos que nos movem como jornalistas. Um papel que não deixaremos de cumprir apesar dos obstáculos criados pelo governo federal contra o dever de transparência, que tem como episódio mais recente o sigilo de 100 anos imposto pela PRF para que não se conheça o histórico dos policiais que torturam e mataram a sangue frio Genivaldo de Jesus Santos no mês passado, em Sergipe. Jornalistas, porém, são criaturas obstinadas e sempre há alguém consciente para nos contar aquilo que o governo esconde. Seguiremos adiante produzindo e fazendo circular informação relevante para que o Brasil se torne, pelo menos, um país mais digno.
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