A confissão do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que chegou a ir armado para uma sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) com a intenção de matar a tiros o ministro Gilmar Mendes e depois se suicidar gerou uma forte reação da Corte. Ele teve suspenso o porte de arma, está impedido de entrar em qualquer área do tribunal e tem de ficar a pelo menos 200 metros de distância dos magistrados.
Nesta sexta-feira (27/9), por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa e no escritório de Janot em Brasília. Os agentes recolheram uma pistola, celulares, tablets e computadores. Os aparelhos eletrônicos serão analisados para verificar a existência de outros planos de assassinato eventualmente formulados pelo ex-PGR. Ele era esperado pelo STF para prestar esclarecimentos sobre o assunto, mas se recusou a prestar depoimento.
Partiu de Alexandre de Moraes também a ordem para suspender o porte de arma de Janot e impedir a entrada dele nas dependências do STF. O ministro atendeu a pedido feito por Gilmar Mendes à Corte. Segundo Moraes, a decisão teve como objetivo “evitar a prática de novas infrações penais e preservar a integridade física e psicológica dos ministros, advogados, serventuários da Justiça e do público em geral que diariamente frequentam essa Corte”.
Para Moraes, as revelações de Janot estão “alicerçadas em indícios de autoria e materialidade criminosas” e revelam um “quadro gravíssimo”. “As entrevistas concedidas sugerem que aqueles que não concordem com decisões proferidas pelos ministros desta Corte devem resolver essas pendências usando de violência, armas de fogo e, até, com a prática de delitos contra a vida”, alertou.
Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que o comportamento do desafeto mostra “tentações tresloucadas”. Ele disse não imaginar “que nós tivéssemos um potencial facínora comandando a Procuradoria-Geral da República” e recomendou a Janot “que procure ajuda psiquiátrica”.
“Confesso que estou surpreso. Sempre acreditei que, na relação profissional com tão notória figura, estava exposto, no máximo, a petições mal redigidas, em que a pobreza da língua concorria com a indigência da fundamentação técnica. Agora, ele revela que eu corria também risco de morrer”, alfinetou o ministro. “Nada mais me resta além de lamentar o fato de que, por um bom tempo, uma parte do devido processo legal no país ficou refém de quem confessa ter impulsos homicidas.”
O magistrado avaliou que o comportamento do ex-procurador-geral da República abre a possibilidade para que decisões judiciais no âmbito da Lava-Jato sejam colocadas em xeque. “Tenho a impressão de que se trata de um problema grave de caráter psiquiátrico, mas isso não atinge apenas a mim, atinge a todas as medidas que ele pediu e foram deferidas no Supremo Tribunal Federal. Denúncias, investigações e tudo o mais. É isso que tem de ser analisado pelo país”, disse.
Reações
O relato de Janot gerou reações também entre deputados federais e senadores. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou: “Hoje, descobrimos que o procurador-geral da República queria matar o ministro do Supremo. Então, quem vai querer investir num país desse? Você ia querer investir?”, questionou, durante evento no Rio de Janeiro sobre parcerias público-privadas, concessões públicas e fundos de investimento em infraestrutura.
O deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) classificou como “totalmente irresponsável as declarações de Janot”. “Anunciar que chegou perto de assassinar um ministro do STF só fará com que mentes insanas espalhadas Brasil afora comecem a cogitar realmente atitudes dessa natureza. Juristas, legalistas, democráticos devem reagir”, conclamou.
Já o senador Eduardo Braga (MDB-AM) pediu paz. “Quando o ódio dá lugar aos argumentos diante das divergências, chega a hora de repensar se o extremo é mesmo o melhor caminho a ser seguido. Por mais paz e por mais exemplos de engrandecimentos do ser humano”, comentou.
“Declarações infelizes”
Por meio de nota, o Instituto de Garantias Penais criticou Janot e frisou que ele “não possui a estabilidade mental necessária para exercer a função acusatória, ofício tão sensível em um Estado democrático de direito”. Para o instituto, a cogitação de homicídio “eleva os embates que os ministros têm que enfrentar — indevidamente — a cada habeas corpus fundamentadamente concedido”.
“Nesse sentido, todas as ações penais que conduziu o ex-PGR estão maculadas pela cólera que entorta e desencaminha o direito de punir do Estado. Estão, portanto, sob compreensível suspeita”, destacou o órgão. “Que das declarações infelizes emanem, ao menos, resoluções: aos injustiçados pela postura do ex-procurador, que se reveja a injustiça, e ao próprio ex-procurador, que possa receber auxílio médico e recobrar a temperança.”
Doutor em direito penal, Conrado Gontijo frisou que é “absolutamente espantoso imaginar que um procurador-geral da República, no auge da sua carreira, responsável por exercer uma função essencial para assegurar a democracia no Brasil, tenha cogitado a hipótese de praticar um ato tão descabido”. “É bizarro que alguém pretenda solucionar um desgaste de forma tão violenta. Isso põe em xeque a condição dele para conduzir um trabalho tão importante à época”, afirmou.
O que decidiu o STF
» Suspender o porte de arma de Rodrigo Janot
» Aplicar contra ele a medida cautelar de proibição de aproximar-se a menos de 200 metros de qualquer um dos ministros da Corte
» Impedir o acesso do ex-procurador-geral da República ao prédio sede e anexos do tribunal
» Coletar armas, computadores, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos na casa e no escritório de Janot
» Colher depoimento do ex-procurador-geral da República. Janot se negou a prestar esclarecimentos
Entenda o caso
Rodrigo Janot era procurador-geral da República, em maio de 2017, quando entrou armado no prédio principal do Supremo Tribunal Federal (STF) com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes. O então chefe do Ministério Público Federal chegou a ver o ministro, porém desistiu no último segundo. As declarações dele foram dadas ao Estadão, à Veja e à Folha de S.Paulo. “Não ia ser ameaça, não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (sic) e depois me suicidar”, afirmou o ex-procurador.
Ele contou que a intenção de atirar em Gilmar Mendes foi motivada por ataques que o ministro fez à filha dele. Quando era chefe do Ministério Público, Janot chegou a pedir a suspeição do magistrado na análise de um habeas corpus do empresário Eike Batista, sob o argumento de que a mulher do ministro, Guiomar Mendes, atuava no escritório de Sérgio Bermudes.
Ao se defender, Gilmar Mendes afirmou que a filha de Janot advogava para a empreiteira OAS em processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e poderia ser “credora por honorários advocatícios de pessoas jurídicas envolvidas na Lava-Jato”. A história aparece no livro de memórias Nada Menos que Tudo, a ser lançado pelo ex-chefe do MP em outubro. Na publicação, porém, Janot preferiu “não dar nome aos bois”.
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