Quando pressionada pela decisão do ministro Marco Aurélio que afastou Renan Calheiros da presidência do Senado e intensificou uma crise institucional, a presidenta do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, recorreu ao decano da Corte, Celso de Mello, para que revertesse essa liminar no plenário. E conseguiu. A estratégia de buscar o amparo no mais experiente magistrado da principal estância judiciária brasileira poderá se repetir nos próximos dias. Mello, de 71 anos, sendo 28 deles no STF, desponta, até agora, como o favorito a ser escolhido pela presidenta do Supremo para assumir todos os processos relacionados à Operação Lava Jato que tramitam na casa e estavam sob a responsabilidade de Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo na quinta-feira passada.
Pela legislação, os casos que estavam com o Teori poderiam esperar até que o presidente Michel Temer escolha um novo nome para a corte - e seja aprovado pelo Senado - ou poderiam ser redistribuídos por Cármen Lúcia por se tratar de uma situação excepcional. A segunda hipótese é, de longe, a esperada para acontecer quando crescem as vozes que pedem que o Planalto não tenha o poder de apontar um ministro para ter papel estratégico em uma matéria que o Governo está profundamente implicado.
Se Celso de Mello for o escolhido, mais de uma centena de ações judiciais, atreladas a outras centenas de delações premiadas, deverão cair nos colos do decano. Se essa for a decisão de Cármen Lúcia, a presidenta terá uma decisão delicada porque também terá de se deparar com os egos de seus colegas de tribunal.
A única vez que o Supremo foi instado a ter uma definição parecida ocorreu em 2009, quando o ministro Carlos Alberto Menezes Direito morreu vítima de um câncer. Na ocasião, o então presidente da Corte, Gilmar Mendes, decidiu que todos os processos urgentes de Menezes Direito deveriam ser redistribuídos até que o sucessor dele assumisse o cargo de fato. A redistribuição ocorreu por meio de sorteio.
Agora, o sorteio possivelmente será descartado. Quatro pessoas com trânsito entre os ministros do STF relataram ao EL PAÍS que a tendência da presidenta é escolher Mello para que não paire suspeitas sobre os outros possíveis relatores, que têm perfis muito distintos do de Zavascki. As razões pelo nome de Mello seriam as seguintes: é o mais experiente; é tão ou mais blindado do que Zavascki (“sou um recluso em mim próprio”, disse em dezembro passado); é membro da Segunda Turma do STF, que é onde originalmente tramitam os casos da Lava Jato; e costuma tomar decisões técnicas que não se preocupam com a opinião pública.
Uma outra hipótese, menos provável, é que o revisor dos casos da Lava Jato, Luís Roberto Barroso (que atua na Primeira Turma) assuma a relatoria dos casos da Lava Jato. Um senão no caso dele é que, como deixou o seu escritório de advogados há pouco tempo (ele se tornou ministro em 2013), poderia se ver impedido de julgar um ou outro réu. Esses casos específicos, teriam de ser redirecionados a outros colegas.
A definição de Cármen Lúcia deverá respeitar um período de luto em decorrência da morte de Zavascki. A favor dela está o tempo: as atividades dos ministros só serão retomadas no dia 1º de fevereiro. Ainda assim, já há uma pressão para que sua decisão sobre a relatoria ocorra o quanto antes, até para não passar a impressão de que a maior operação contra a corrupção do país possa estar sofrendo qualquer tipo de interferência.
O presidente Michel Temer (PMDB), que indicará o sucessor de Zavascki, disse que só fará sua escolha após essa decisão de Cármen. Um dos principais juristas do país, o juiz aposentado e professor Wálter Maierovitch diz que o quanto antes o STF se decidir, melhor será para ele próprio. “Se a ministra Cármen Lúcia demorar, criará uma pressão política desnecessária ára o Supremo”, afirmou.
Em nota, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, afirmou que a expectativa da sociedade é que a redistribuição dos casos da Lava Jato ocorra de maneira imediata por causa da “grave conjuntura política que o país atravessa”.
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