O que fazer com o dinheiro que pode ser sacado das contas inativas do FGTS? Na opinião da planejadora financeira Angela Nunes, a última coisa que se deve fazer é torrar esse recurso em compras. Nunes diz que o FGTS foi estruturalmente criado para socorrer os trabalhadores em momentos importantes da vida, como demissão, aposentadoria ou compra da casa. Portanto, não deve ser usado para satisfazer o simples desejo de consumir.
Certificada pela Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros), Nunes também faz um alerta para o impacto financeiro do adiamento da independência financeira dos filhos ao patrimônio dos pais. Eis a entrevista:
Qual o melhor destino para o dinheiro da conta inativa do FGTS? Vale mesmo a recomendação de usá-lo para pagar dívidas?
Esse recurso é do trabalhador, ainda que pese a sensação deliciosa de que é um dinheiro com o qual não se contava, sempre foi do trabalhador. O governo não está dando nada. A primeira consciência que se deve ter é que é um dinheiro dele. Essa sensação gostosa de que o dinheiro que vem fácil pode ser usado com tranquilidade não é realidade. E nada mais punitivo para o cidadão do que estar endividado, especialmente se for nos investimentos mais perversos que têm para a pessoa física, como o cheque especial e rotativo do cartão de crédito. Se ele estiver endividado nessas modalidades é quase mandatório usar o dinheiro para quitar dívida. Pagar dívida é a recomendação básica e primordial.
Quem não tem dívida pode usar como esse dinheiro?
A visão que a gente tenta passar é que o FGTS, mesmo com rentabilidade pífia (TR + 3% aa,) foi criado para ser usado em coisas nobres, em momentos muito importantes da vida do trabalhador. Ele pode sacar quando fica desempregado, quando compra uma casa ou se aposenta. Se a pessoa tem a oportunidade de sacar esse dinheiro que estava preso agora eu acho que tem que trabalhar com a mesma filosofia. É para ser guardado. Se quitou dívida ou não deve nada tem que investir. Exceto se a pessoa tiver um projeto, se precisa muito comprar alguma coisa, fazer uma melhoria na casa. Se não for nada que necessite muito, tem de investir.
Mas pode usar esse dinheiro no consumo?
Se não for uma emergência, a última coisa que se deve fazer é usar no consumo reprimido. Vi uma reportagem em que a uma moça dizia que iria trocar o guarda-roupa. É um dinheiro muito nobre, apesar de mal aplicado. Nasceu para situações específicas e tem de ser preservado para essas ocasiões. Tem gente que não tem nenhuma reserva de emergência. Esse é um momento maravilhoso para guardar o dinheiro e fazer uma reserva. Também não dá para se falar em comprar por impulso. Não é um recurso que apareceu da noite para o dia. O que se deve fazer é descobrir quanto vai receber e planejar. Se tiver direito a 800 reais, por exemplo, vai pagar dívida ou vai guardar? O último destino é o consumo pelo consumo.
Onde investir quantias menores?
Depende do objetivo. Precisa avaliar se a pessoa tem dívida e se tem dinheiro guardado. A primeira coisa que o planejador tem que dizer é que ter uma reserva de emergência é fundamental. É o dinheiro para os imprevistos que acontecem na vida, como desemprego e saúde. Hoje, o maior imprevisto é a empregabilidade. O planejador trabalha com multiplicadores da renda para saber quanto dinheiro a pessoa precisa para viver um determinado período de tempo ou até se recolocar no mercado. No caso perda de emprego, costumamos falar de no mínimo seis meses de reserva. Se a pessoa tem filho pequeno, pode precisar de mais. O dinheiro para formação de reserva de emergência deve ser investido em ativos que sofram menos com impacto do mercado e que tenham mais liquidez. Se faço reserva para a aposentadoria, posso olhar mais longe. O importante é investir, pois esse dinheiro do FGTS não foi feito para consumo, mas para momentos divisores de água na vida. Os indivíduos deveriam respeitar a razão pela qual o FGTS foi criado, que é proteger o trabalhador quando fica desempregado.
O que você indica para quem está planejando a aposentadoria? O que se deve considerar ao pesquisar fundos de previdência?
O plano de previdência é um dos veículos para se fazer um plano de aposentadoria. Jamais indicaria colocar 100% dos recursos em previdência, salvo em um momento muito pontual e específico. Não tenho nada contra fundo de previdência, mas vou fazer alguns alertas. O primeiro é sobre taxa de administração. Produto com taxa acima de 1% é inviável. Imagina tirar 1% do patrimônio ao ano pelo período de 20 anos, pois incide não só sobre rendimento, mas sobre todo montante. Pensa no efeito desse 1% por 35 anos. É uma boçalidade. Produto de previdência não pode ter taxa alta porque foi feito para o longo prazo. Se tudo que a pessoa tem está em um fundo de previdência e ela precisa sacar por qualquer motivo então ela está no lugar errado.
Sem falar do Imposto de Renda altíssimo cobrado na hora do saque.
Isso porque é produto para o longo prazo. Também tem que ficar atento à taxa de carregamento. Você leva seu dinheiro para uma instituição e ela vai lá e retira um pedaço do seu dinheiro pelo fato de aplicar lá. E vai pagar taxa de administração do mesmo jeito. Não dá para fazer plano de previdência com taxa de carregamento. Ao longo do tempo é perder massa de recurso para a aposentadoria.
Quais as opções para formar uma reserva para a aposentadoria?
Não é porque tem taxa de administração e de carregamento que o plano de previdência é tão ruim, não é isso. Ele pode fazer parte de uma carteira de alocação de recursos que se forma para a aposentadoria, fazer parte de um pacote. Qual o único produto que pode comprar renda lá na frente? Qual produto permite juntar, fazer um bolo e depois receber uma renda vitalícia ou temporária? Previdência é o único produto que pode fazer isso. Ele tem uma característica interessante que é o fato de não entrar no inventário. Tem gente que se esquece de que se morrer seus dependentes precisarão de um recurso imediato para comer, se vestir, viver até o inventário ser feito. Tem gente que tem dinheiro, mas que se morrer de repente deixará seus dependentes sem condições até o inventário girar.
Você percebe uma preocupação crescente de pessoas mais velhas com planejamento financeiro?
Quando se é jovem, o sentimento de que um dia você vai parar parece muito distante. Não se pensa muito para frente. Quando fica mais perto, quando vê gente da sua roda se aposentando ou com dificuldade para se recolocar no mercado, aí a pessoa percebe que isso pode acontecer com ela também. Muitas pessoas, a partir dos 45 anos, chegam ao meu escritório querendo saber se as reservas que possuem são suficientes para o padrão de vida que pretendem ter no futuro. E se não são suficientes, o que fazer no tempo que lhes resta de vida produtiva.
O que acontece com esse público mais velho que hoje passa mais tempo sustentando seus filhos?
As pessoas amam seus filhos. Ninguém quer ser um mercenário de chutar seu filho porta afora. Mas o fato de ter um retardamento da independência financeira do filho impõe um custo interno. A pessoa tem pessoas dependendo dela, sem contribuir, por mais tempo. Isso gera um grande problema de sustentabilidade para as pessoas mais velhas. As pessoas têm um plano de que seu filho vai sair de casa quando tiver 25 anos e aí seu dinheiro será usado para viver a longevidade. Mas esse filho não sai de casa, fica mais tempo dependendo de você. Isso vai comendo o patrimônio acumulado ou que deveria estar se formando. Esse problema lá na frente vai ter de ser enfrentado pelo próprio filho. O dinheiro consumido vai faltar lá na frente, resta saber se os filhos terão capacidade de suportar esse déficit no futuro.
O que fazer para evitar problemas desse tipo?
Um planejamento de longo prazo sempre, mas sem ficar neurótico. Não estou falando que as pessoas não podem aproveitar a vida. Na psicologia econômica tem um tema que me interessa, o que fala de trocas intertemporais, de consumir menos hoje para ter mais lá no futuro. Tem duas visões: a míope e a hipermetrope. A míope é aquele cara que não está nem aí para o futuro. Deixa a vida levar e vai vivendo o presente. E tem um número menor que tem visão hipermetrope, tem uma vida restritiva que faz a vida ser chata, para lá na frente ter recurso. Se privar de coisas é muito chato, ter limitações desagrada às pessoas. É preciso trocar o olhar, em vez de pensar que tem perda, lembrar que está fazendo uma troca. Pensar que hoje pode consumir um pouco menos para ter mais lá na frente.