O Papa Francisco é um revolucionário. Com um sorriso nos lábios e palavras delicadas, vai demolindo as mais conservadoras estruturas da Igreja Católica. Sua habilidade é tal que nem os mais radicais conservadores conseguem atacá-lo. E fora da Santa Sé conquista mais e mais amigos, pois sua mensagem é sempre de tolerância e solidariedade.
Esse argentino Jesuíta, que adotou o nome de Francisco para deixar clara sua opção pela simplicidade e pelos pobres, traz-nos a mensagem ambiental mais importante dos últimos anos, a Encíclia Laudato Si´, que na linguagem medieval significa Louvado Seja (file:///E:/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.pdf).
Mas, a começar, cumpre lembrar o que é uma Encíclica. Segundo o Dício — Dicionário On Line é uma “Carta solene, dogmática ou doutrinária, dirigida pelo papa ao clero do mundo católico, ou somente aos bispos de uma mesma nação”.
Ainda que dirigida aos católicos, que se contabilizam ao redor de 1 bilhão de seguidores no mundo (Washington Novaes, Estado de São Paulo 26.5.2015, A2), seus efeitos vão além dos fervorosos, porque repercute em todos os continentes e setores da economia.
É possível dizer que, na realidade, essa Encíclica gera efeitos de recomendação respeitável, cuja autoridade promana de pessoa em posição de destaque e que, além de seu forte conteúdo ético, é considerado Chefe de Estado (Vaticano) .
Assim, tal qual os princípios extraídos dos grandes Congressos de Direito Ambiental, como o de Estocolmo em 1972, as palavras retratadas na Encíclica geram forte influência nas atividades ligadas à proteção do meio ambiente, inclusive no Direito. Ninguém sofre sanção pelo descumprimento, mas o certo é que muitos, voluntariamente, a ela aderem, uns pela fé, outros pela confiança na fonte.
Partindo dessa premissa, vejamos as peculiaridades da Encíclica de Francisco, como, onde e quando poderá ser invocada e adotada no Direito Ambiental brasileiro.
Logo ao início a Encíclica lembra que precisamos debater o desafio ambiental e o impacto sobre nossas vidas. Esse é um ponto essencial, promover um debate sincero e desarmado. Essa ideia vai desde grandes discussões entre os países, que podem resultar em tratados, até ajustes internos, através de leis ou sua regulamentação. E lá na outra ponta, em audiências de conciliação na fase pré-processual (Termo de Ajustamento de Conduta - TAC no órgão ambiental ou no Ministério Público) ou na fase judicial. Saber ceder, dialogar, pode ser a solução para casos individuais, com reflexo no conjunto.
A Encíclica refere-se às diversas formas de poluição que afetam as pessoas, especialmente os mais pobres, dando destaque para a originada pelo transporte, descarga de substâncias que acidificam o solo e a água e fertilizantes. A afirmativa merece atenção. Essas formas de poluição, muitas vezes consentidas por normas regulamentadoras, recomendam atenção permanente e revisão, se for o caso. Por exemplo, no caso dos agrotóxicos em que, uma vez aprovados, não se impõe prazo para que sejam revalidados, com análise de seus efeitos.
Prossegue a Encíclica com a questão dos resíduos, inclusive os perigosos, que afetam a vida das pessoas, além da cultura do descarte. Nesse alerta somos todos culpados, por ação ou omissão. Somos parte de uma sociedade consumista por excelência. Aceitamos sacolas de plástico para embrulhar produtos. Nem sempre separamos o lixo e raramente vamos conferir se quem o recebe separa. Os municípios continuam a omitir-se na implantação de aterros sanitários, descumprindo-se o art. 18 e 55 da Lei 12.305 de 2010. A educação ambiental aqui falhou completamente e as sanções administrativas são ineficientes.
A mudança climática é o ponto seguinte e a humanidade é chamada para refletir sobre a necessidade de mudar o estilo de vida. O derretimento das calotas polares e a destruição da floresta tropical são lembrados como risco de comprometimento da vida em sociedade. E com razão. A elevação do nível do mar, que é uma consequência já percebida no litoral brasileiro, pode resultar na migração de pessoas, com reflexos sociais inimagináveis. Ressalta o Papa a indiferença geral e nisso o Brasil pode ser reconhecido pelo nosso completo desconhecimento sobre o “Plano Nacional de Mudanças Climáticas”. É algo que parece existir apenas no site do Ministério do Meio Ambiente, sem conexão com nossas vidas. A referência da Encíclica será um reforço à tomada de ações concretas, por exemplo, ter-se o fator em conta nos licenciamentos ambientais.
A questão da água também merece destaque. E ela vem em bom momento, pois não só a região Nordeste vê o problema agravado, mas, agora, o Sudeste do Brasil atravessa a maior crise de toda sua história. As causas vão do câmbio climático à ineficiência na gestão, passando pelo descumprimento das leis. Por exemplo, as margens dos rios, desde 1934, são protegidas e os infratores estavam sujeitos à prisão de até 30 dias e multa (Decreto 23.793, art. 22, “b”, c.c. 86). No entanto, somente nos últimos 10 anos houve fiscalização mais forte. Washington Novais, no artigo citado, reporta-se a relatório da Nasa, que aponta que 21 dos 37 maiores aquíferos estão contaminados.
Que reflexo terá a Encíclica sobre a questão da água? Será um alerta, sem dúvida. Um alerta aos Estados que ainda não têm problemas para que ajam agora, preventivamente. Um argumento a mais nas ações judiciais em que o fato vier a ser discutido. A intensificação de leis contendo pagamento por serviços ambientais, como forma de estímulo à proteção (vide Carlos Geraldo Teixeira, Preservação das Nascentes, ed. Del Rey).
No passo seguinte a Encíclica trata da perda da biodiversidade, tema que, coincidentemente, foi objeto da edição recente de lei sancionada pela presidente da República, dia 20 de maio passado. Nesse particular faz-se menção às florestas tropicais, às espécies em extinção, aos corais oceânicos e a outras formas de vida. O alerta intimida, mostra um quadro real com todas as suas consequências. Com certeza, servirá de justificativa para a ação dos órgãos da administração ambiental e de base para as decisões judiciais.
Superada a questão dos recursos naturais, o Papa aponta a deterioração da qualidade de vida humana e a degradação social, mencionando as grandes cidades e as dificuldades que apresentam na área de transportes, mobilidade, espaços verdes, de modo a impedir o contato de seus habitantes com a natureza. Como resultado desses novos tempos, indica a falta de comunicação pessoal, substituída pelos aparelhos eletrônicos, o que acaba levando à infelicidade e ao isolamento.
Enfrenta também, a Encíclica, a questão dos refugiados da miséria agravada pela degradação ambiental, desprotegidos pela ordem internacional. E o Brasil já enfrenta esse problema. Tema de extrema complexidade a reclamar regulamentação. O respeito às futuras gerações não foi esquecido e, já previsto no art. 225 da CF, será agora mais invocado nos arrazoados forenses. Dever ético a ser cobrado e cumprido.
Aborda, ainda, a necessidade da informação completa nos debates e o dever de serem ouvidos todos os interessados. Essa observação, felizmente, já está incorporada em nosso sistema. Os grandes projetos ambientais, atualmente, passam por audiências públicas, com a participação dos atingidos (p. ex., barragens).
Finalmente, ao tratar da ecologia integral, a Encíclica lembra que as soluções ecológicas não podem ser dadas sem ter em conta o ser humano e que há necessidade de decrescimento dos países mais desenvolvidos, diminuindo-se a exploração dos recursos naturais.Óbvio que isto não é fácil, mas é essencial na solução do problema. Aí a matéria é de política pública, vai além do Direito.
Em suma, a Encíclica chama a atenção para os mais difíceis e importantes aspectos. O Papa sabe ─ e nós também ─ que as soluções são difíceis, há múltiplos interesses em confronto. Mas é preciso sempre dar um passo à frente, mantendo a esperança. O Papa Francisco deu a sua enorme contribuição, editando a Encíclica. Nós podemos dar a nossa, na medida das possibilidades de cada um.
PS. Comprei ontem um palmar para natação, marca Speedo. Veio embalado em uma enorme cobertura de plástico, que só fará encher mais o aterro sanitário. Que tal se a Speedo desse um primeiro passo diminuindo esse envoltório?