Passados
vinte anos desde a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) de Paulo
César Farias, cujo principal desdobramento foi o processo de impeachment
do então presidente Fernando Collor de Mello, o Brasil acumula 92 CPIs
instauradas no Congresso Nacional nas duas últimas décadas, entre
comissões criadas pela Câmara, pelo Senado ou Mistas (com senadores e
deputados).
Entre as comissões já encerradas, cerca de 25% (o
equivalente a 25 CPIs) não aprovaram nenhum relatório, ou seja, nenhum
documento que fosse aprovado pela comissão, permitisse que outros órgãos
e outras instâncias punissem eventuais culpados de desvios.
Das
92 comissões criadas, sete estão em curso atualmente. Isso inclui a CPI
mista do caso Cachoeira, que está em fase de instauração no Congresso, e
as comissões que investigam supostas irregularidades no Ecad
(escritório que faz a arrecadação e distribuição de direitos autorais) e
o tráfico internacional de pessoas no Brasil.
Do total das CPIs
finalizadas, pouco mais de 70% chegaram a um relatório final, embora
especialistas divirjam sobre a eficácia e o legado das investigações.
Os
números foram levantados pela BBC Brasil com a ajuda da Câmara, do
Senado e de um estudo dos pesquisadores Lucas Queija Cadah e Danilo
Centurione, do Departamento de Ciências Políticas e do Núcleo de
Pesquisas de Políticas Públicas da USP.
Como aponta o estudo, 'as
CPIs são objeto de sentimentos contraditórios por parte da sociedade e
da imprensa: Ao mesmo tempo em que é lugar comum dizer que elas nunca
levam a nada, sempre que se acha necessário investigar melhor algum
acontecimento no âmbito do governo, defende-se fervorosamente a
instalação de CPIs'.
Gargalos
Uma questão-chave é que essas
comissões têm limites de atuação - em resumo, podem investigar, mas não
podem indiciar ou punir criminalmente, funções que cabem à Justiça. Daí o
motivo para elas causarem tanta frustração entre os brasileiros.
As
comissões, explica o estudo de Cadah e Centurione, têm amplos poderes
investigativos - para convocar testemunhas e colher provas, por exemplo
-, 'mas não podem decretar nenhum tipo de prisão, nem aplicar cautelas
como indisposição de bens e proibir (suspeitos) de deixar o país'.
O
que elas fazem é recomendar ao Ministério Público ou ao Tribunal de
Contas da União, por exemplo, que prossigam com a responsabilização
civil ou criminal das pessoas envolvidas nos casos investigados.
Para Marco Antonio Teixeira, do Departamento de Gestão Pública da FGV-SP, é aí que está mais um motivo da frustração.
'O
gargalo é o Judiciário. Vemos que o caso do Mensalão, cujo processo é
resultado da CPI dos Correios (2005), só agora está (na pauta) do
Supremo Tribunal Federal.'
Levantamento do jornal Folha de S.
Paulo em setembro do ano passado mostrava que os principais casos de
corrupção do país se arrastam há anos ou décadas pela Justiça. Um
exemplo é o caso de desvio de dinheiro conhecido como o dos 'Anões do
Orçamento', de 1993, que foi alvo de CPI. Mas, de 31 réus, apenas nove
foram condenados.
'O mais problemático é o Judiciário não conseguir responsabilizar criminalmente (os acusados)', complementa Cadah.
Os
relatórios finais de CPIs também podem recomendar, ao próprio
Legislativo, a cassação de um congressista envolvido em denúncias. Mas
daí isso terá que ser analisado pelo Conselho de Ética da Casa, e
'entram em jogo outros interesses', aponta o pesquisador.
CPIs, do nascimento à morte
As
CPIs nascem a partir do requerimento de um congressista, em geral a
partir de denúncias ou clamor público, e dependem da assinatura de um
terço dos membros da Câmara ou do Senado (dependendo de onde são
instauradas; CPIs mistas precisam de um terço de ambas as Casas).
Seu prazo de atuação é de 120 dias, prorrogáveis por mais 60.
A
principal 'causa da morte' de CPIs, explica Cadah, é a falta de
assinaturas para protocolá-la. Passado esse estágio, algumas podem
morrer na praia - perderem o prazo ou não apresentarem nenhuma conclusão
-, mas, segundo ele, a maioria é concluída.
E, uma vez que a CPI é instalada, a lei não prevê nenhum requerimento que possa eliminá-la.
O
relatório é uma peça importante, por se tratar de uma espécie de legado
da CPI. É ali que os congressistas fazem recomendações para o próprio
Legislativo ou para outros órgãos - Ministério Público, Tribunal de
Contas da União, Poder Executivo, entre outros - sobre medidas a serem
tomadas, pessoas a serem investigadas ou cassadas, mudanças legislativas
a serem propostas.
O âmbito de atuação é amplo: diz a Câmara que
as comissões 'destinam-se a investigar fato de relevante interesse para a
vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social
do país'.
Isso explica por que temos CPIs de assuntos tão
variados, que englobam desde denúncias de corrupção política até
biopirataria, direitos autorais, grilagem, tráfico de armas, tarifas de
energia... E também desperta a preocupação quanto se é producente alocar
recursos do Congresso em investigações sobre temas tão amplos e
diversos, em vez de focar na atividade legislativa.
Mas, para
Cadah, é possível ver vantagens nisso: 'É de seu escopo discutir temas
(caros à sociedade), contribuir pro debate legislativo. Algumas, como a
da pedofilia, acabaram fazendo investigações em Estados onde a polícia
pode estar contaminada pela corrupção'.