Katmandu, 7 abr (EFE).- A ambivalência do hinduísmo tradicional
perante a feminilidade e um patriarcado bem arraigado à sociedade são os
fatores que explicam a violência contra as mulheres do Nepal, vítimas
de crimes como estupro e bigamia.
Embora no hinduísmo mulheres e
homens sejam consideradas 'metades complementares', e exista uma
importante corrente que exalta o poder criativo feminino, o 'shakti', o
marido é um 'deus' para sua esposa.
'Os postulados religiosos que
continuam na mentalidade do povo são um dos fatores que incentivam a
violência contra a mulher', disse à Agência Efe a ativista pela
igualdade de gênero Bandana Sharma.
No Nepal há mulheres que
seguem sofrendo abusos, maus-tratos físicos e psicológicos, bigamia -
aceita quando a primeira esposa de um homem é incapaz de ter filhos -, e
acusações de bruxaria.
'As indigentes idosas são acusadas de
bruxaria e submetidas à violência porque em nossa cultura, sobretudo no
sul do Nepal, existe a tradição de atribuir as desgraças à ação de
alguma bruxa', acrescentou Bandana.
O problema da violência sexual
voltou à tona no Nepal recentemente, com a apresentação do estudo
'Justiça Revelada: falam as sobreviventes de estupros', que evidencia a
falta de proteção das nepalesas.
Muitas entrevistadas alegaram que
a violência ocorre porque há homens que veem as mulheres como 'meros
objetos, cidadãs de segunda classe', e que os abusos são um ato
'natural' para homens jovens e sexualmente agressivos.
'A
mentalidade patriarcal é a razão principal para que a violência contra a
mulher continue. No Nepal há uma cultura de silêncio pela falta de
apoio e a dificuldade de recorrer ao sistema legal', afirmou à Efe a
chefe do estudo, Bindu Gautam.
Bindu contou que a Polícia nem
sempre investiga as denúncias de estupro, e que muitas violentadas não
se atrevem a falar do fato porque é a própria vítima é a culpada e,
frequentemente, os agressores fazem parte de seu convívio.
Os
ativistas, no entanto, consideram que a situação melhorou nos últimos
anos e que a conscientização pública cresce cada vez mais neste país do
Himalaia, onde três quartos da população pregam o hinduísmo.
O
Nepal acaba de pôr fim a uma campanha de cem dias contra a violência
sexual, que contou com apoio do primeiro-ministro, Baburam Bhattarai, e
em que os ativistas se reuniram com funcionários de todos os distritos
do país.
É difícil quantificar os crimes em um país com a
precariedade administrativa do Nepal, embora a polícia registre 486
estupros no país em 2010, número superior à média de 433 para o período
2007-2010.
A causa mais comum de violência são os maus-tratos
domésticos, embora também sejam registrados casos relativos à posse de
terras e imóveis e, no distrito de Dang, as mulheres enfrentam a
aceitação social da bigamia.
'Os homens não recorrem à bigamia
para ter filhos. Voltam a se casar por prazer', afirmou a Efe a ativista
Nirmala Bagchand, da Associação dos Defensores dos Direitos Humanos das
Mulheres.
O Nepal aprovou há quatro anos uma lei de violência
doméstica, mas os ativistas denunciam que a implementação não foi
adequada e é muito branda, porque se centra na reconciliação do casal e
as penas são de pouca duração.
Um agressor, de acordo com a
advogada Sanu Laxmi Gahsi, pega uma pena de seis meses, enquanto um
polígamo uma condenação máxima de três anos, e não existem disposições
especiais para as vítimas nem para as ativistas que lutam para desfazer a
mentalidade patriarcal.
'Já recebi ameaças de morte e disseram que atearão fogo na minha casa', concluiu Nirmala Bagchand. EFE