Primeiro servidor de carreira a comandar a Controladoria-Geral da União (CGU), o ministro Wagner Rosário afirmou em entrevista à BBC News Brasil não ver problemas nem legais nem éticos se o presidente Jair Bolsonaro decidir nomear o filho Carlos, vereador no Rio, a um cargo de assessor na Presidência.
"Costumo não ficar no quesito ético. Não é proibido legalmente e, se a pessoa tiver competência técnica para aquilo, não vejo problema nenhum", disse Rosário - segundo ele, a legislação brasileira que proíbe o nepotismo não atinge o cargo de presidente da República.
Carlos é um dos principais responsáveis pelas redes sociais do presidente e já teve o nome cotado pelo próprio pai para assessorá-lo na Presidência - mas, ante a repercussão negativa à ideia, Bolsonaro e o filho recuaram - o vereador permaneceu no próprio gabinete na Câmara Municipal do Rio e continuou a colaborar com o pai informalmente.
A contratação de parentes é uma das preocupações da CGU. Segundo Rosário, o órgão criou um sistema que cruza informações da Receita Federal para identificar se algum familiar foi empregado irregularmente. "É mais preventivo, para as pessoas saberem que de seis em seis meses o sistema vai rodar", explica.
Hoje, a CGU conta com quase 2.000 servidores para combater a corrupção, firmar acordos de leniência com empresas, evitar desvios e má gestão de dinheiro público e garantir a transparência do Executivo federal. "Acho que é o menor número da história", estima Rosário, que viajou a Londres a fim de participar de um evento no qual vai falar sobre o combate a corrupção no Brasil.
O tamanho da equipe do órgão, compara ele, é menor que a do equivalente na Espanha, país sete vezes menor que o Brasil e que mantém 3.500 servidores apenas para cuidar de auditorias.
Seu principal argumento para ampliar o quadro e reverter o aperto fiscal (o órgão teve R$ 23 milhões bloqueados) é o papel da CGU na recuperação de bilhões de reais por meio de acordos de leniência com empresas acusadas de corrupção. Pagam multas e restituições.
Nascido em Juiz de Fora em 1975, Rosário está à frente da CGU desde junho de 2018, ainda no governo Michel Temer (MDB). Ele se formou em Ciências Militares pela Academia das Agulhas Negras, já atuou como oficial do Exército e auditor federal desde 2009.
Veja os principais trechos da entrevista concedida por ele em Londres, na qual fala sobre as suspeitas contra o outro filho de Bolsonaro, o senador Flávio - que teve o sigilo bancário quebrado por causa da compra e venda de imóveis -, dos planos do governo para dar mais publicidade às agendas das autoridades e a decisão de tarjar detalhes de acordos de leniência firmados com seis empresas.
BBC News Brasil - A CGU está criando um sistema que cruza dados e identifica parentes na administração pública. O decreto que impede o nepotismo é de 2010. Ainda acontece nepotismo? Onde é mais comum, em qual situação? O maior problema é o nepotismo cruzado?
Wagner Rosário - O nepotismo cruzado é um tipo de nepotismo que não está previsto na lei, quando um contrata o parente do outro e o outro contrata o parente de um. Esses casos valem mais como um alerta, isso a gente não consegue provar. Vez ou outra aparece um caso de ligação familiar.
O que a gente está querendo fazer é acabar com boato. O sistema busca nas bases da Receita, no CPF, dados de filiação e cruza para saber se alguém está empregando, por exemplo, o irmão diretamente.
Internamente, muitas das vezes tem falso positivo - muitos servidores casam entre si. Queremos um sistema automático que rode duas vezes por ano. Ainda estamos acertando a periodicidade. É mais preventivo, para as pessoas saberem que de seis em seis meses o sistema vai rodar.
BBC News Brasil - O cruzamento vai ser só no Executivo federal?
Rosário - Só. Todas essas regras que nós criamos no âmbito da CGU ou é por decreto, que é só no âmbito do Executivo, ou é projeto de lei que tem alcance mais amplo. O robô já está pronto e já estamos testando na CGU. Estão sendo criadas unidades de integridade em cada ministério e vamos passar o robozinho para eles e eles vão executar.
BBC News Brasil - Ministros e o próprio presidente podem contratar parentes diretos, como filhos, para trabalhar com eles? Em que situação pode acontecer?
Rosário - O presidente está fora (do alcance) da lei. Ele poderia colocar, não há nada legalmente que o proíba. Já os ministros, em princípio, não poderiam contratar os filhos (não concursados) para trabalhar com eles. O decreto não fala do presidente.
BBC News Brasil - O que acharia, por exemplo, se o presidente nomeasse o filho dele que é vereador como assessor? Eticamente poderia ser um problema, já que legalmente…
Rosário - Ele poderia (nomear). Ética é um conjunto de valores que é passado através do tempo numa sociedade. Costumo não ficar no quesito ético. Não é proibido legalmente e, se a pessoa tiver competência técnica para aquilo, não vejo problema nenhum.
Vou dar um exemplo. Outro dia estava numa reunião com alemães e eles me falaram que nas embaixadas eles dão prioridade para contratação de familiar. O cara está indo com a esposa, ela é contadora e estão precisando de um contador. É mais barato para contratar… No Brasil, isso ia ser considerado… Acho que a Alemanha está muito à nossa frente no conceito de ética geral, e isso não é problema para eles. Então, acho que não existe problema desde que o filho do presidente (tenha qualificação para o cargo). Problema ético não vejo, não.
BBC News Brasil - E o que acha das suspeitas contra o outro filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro?
Rosário - Flávio está sendo investigado. No Brasil, se há uma denúncia, as instituições têm que investigar. Isso não interfere em nada no andamento do governo, nem as iniciativas anticorrupção. O decreto de cargos, o decreto de agenda que vai sair agora, estamos lutando para deixar o projeto de lobby mais operacional, estamos fazendo o diagnóstico do sistema anticorrupção brasileiro. Estamos analisando agora o decreto de proteção do denunciante dentro do governo federal.
BBC News Brasil - A AGU (Advocacia-Geral da União) e a CGU foram criticadas por divulgar acordos de leniência com tarjas. Há quem fale em ofensa ao princípio da publicidade. Queria saber o que justifica a decisão.
Rosário - Enquanto a gente não deu transparência de nada, ninguém reclamou. Quanto mais transparência a gente dá, mais expectativa gera.
BBC News Brasil - De quem foi a decisão de tarjar, foi da CGU?
Rosário - Fomos nós. O presidente (da República) praticamente não participa dessas discussões. Eu particularmente não participo de nada durante o andamento das comissões, só do julgamento. Temos o sigilo comercial dessas empresas, o sigilo de dados em geral e de dados pessoais. Existem algumas informações que não posso ficar abrindo para a população em geral, relacionadas ao sigilo comercial da empresa.
BBC News Brasil - Que tipo de informação?
Rosário - Faturamento da empresa, que faz parte do cálculo da multa e do valor que vai pagar como um todo. Não posso ficar abrindo o faturamento da empresa. É difícil ficar mostrando isso. A gente conversou com todas as empresas e as publicações iam evitar qualquer quebra de sigilo comercial. Não estou falando que mais para a frente a gente não vai abrir. A gente está num momento de discussão e não pode prejudicar ninguém.
Data de pagamento, por exemplo. Tem empresa que já pagou tudo de uma vez, mas tem empresa que vai pagar em 22 anos e que está com dificuldade no mercado. Ao divulgar a data de pagamento, pode ser que tenha um concorrente que deva algo à empresa e não pague para prejudicá-la. Isso tem a gente tem que pensar. Isso é preocupar com a sobrevivência da empresa. Tanto na Lei de Acesso à Informação e também a de usuário a serviço público está claro que informações pessoais têm que ser protegidas.
Entregar qual ilícito cometeu, ainda está em investigação, sendo entregue para a polícia. Não tem por que jogar na imprensa agora. Houve má interpretação relacionada a esses problemas. Estamos em processo contínuo de análise dos dados, abrimos uma leva e continuamos conversando com as empresas.
BBC News Brasil - São seis acordos já firmados e quantos estão em discussão?
Rosário - Temos 22 casos em discussão hoje, sendo que dois casos assino até junho.
BBC News Brasil - Demorou muito? A lei anticorrupção passou em 2013, mas só foi regulamentada em 2015, depois de uma nova onda de manifestações. Isso atrapalhou, prejudicou?
Rosário - Está cada vez melhor. A gente teve realmente a dificuldade de entendimento do que é um processo desse tipo do Brasil. Vários órgãos reclamando competência sem estar previsto na lei. Briga de competência, TCU (Tribunal de Contas da União) quis entrar. Hoje está mais equilibrado.
BBC News Brasil - Os acordos que vocês assinam são distintos dos que o Ministério Público tem firmado?
Rosário - São distintos, mas nenhuma empresa é louca de trazer fatos para a gente e outros para o Ministério Público. Isso caracterizaria má fé. Muitos dos nossos acordos às vezes vêm R$ 300 milhões maiores do que os dos Ministério Público e as pessoas falam que o trabalho dos procuradores foi mal feito. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. O MP fechou acordo com informações disponíveis naquele momento. Às vezes a empresa tem uma investigação interna e quando ela fechou comigo depois, o nível de informação é maior. Pegou outros casos de corrupção e gerou aumento da multa ou do ressarcimento.
BBC News Brasil - Um dos primeiros decretos do novo governo foi rever quem poderia classificar documentos como sigilosos. Por que a CGU diz não ter efeito nocivo à transparência?
Rosário - As autoridades que estão hoje (responsáveis por classificar documentos) não têm ligação com o Estado. Um ministro tem a mesma característica do comissionado e talvez até mais forte, ainda mais no modelo que a gente tinha. As pessoas desconfiam do comissionado, mas quem criticou (a medida) não desconfia da pessoa que tem o poder de nomear o comissionado e já podia classificar (o nível de sigilo) dos documentos.
BBC News Brasil - Mas um ministro classifica mesmo um documento? São servidores que fazem isso para ele…
Rosário - Exatamente. A minha preocupação… A gente não mudou, a gente criou a possibilidade (de cargos comissionados classificarem documentos). Eu, Wagner, sabe quantas informações classifiquei como secretas e ultrassecretas? Zero. Quem vai classificar hoje informação secreta e ultrassecreta são as Forças Armadas, o MRE (Ministério das Relações Exteriores)... São esses órgãos, eles que têm problemas. Pensa no submarino nuclear. O projeto inteiro é ultrassecreto, é segurança nacional.
BBC News Brasil - Mas sempre fica a sensação de que alguém pode classificar uma informação para apenas evitar turbulência…
Rosário - Concordo contigo. Para isso, o que a gente tem que trabalhar não é para centralizar (a análise), é por uma maneira melhor de dar mais transparência sobre as informações classificadas. Falar quantas são, de onde são e quais são os assuntos da classificação.
Defesa nacional, segurança. Isso não está claro para a população. Isso é o que importa. O nosso medo é que esses documentos, das Forças Armadas, ficassem transitando. O comandante [da Marinha] não vai lá para o programa do submarino militar para ficar assinando. Esse documento vai para Brasília, vai ficar tramitando. A possibilidade de vazar, de um hacker entrar e pegar, é absurda. É esse o nosso medo. Tentamos manter o máximo de sigilo das informações que necessitam.
BBC News Brasil - O novo decreto recém-publicado para contratações de comissionados exige qualificações técnicas. Vale para empresa pública, fundações e órgãos como, por exemplo, a Apex?
Rosário - A Apex fica fora porque é Sistema S. O que entrou foi a administração direta, autarquias e fundações. Não entrou empresa estatal. Para as empresas estatais, a lei 13.303 já trouxe algumas coisas amarradas nos programas de integridade, principalmente nos cargos de comitês. Não está perfeito ainda, mas já melhorou.
Todo decreto que você mistura estatal com administração direta dá problema. A gente está trabalhando agora no decreto de agendas. Eu tinha excluído as estatais e agora (o ministério da) Economia pediu para colocar.
BBC News Brasil - Como vai funcionar o decreto das agendas?
Rosário - Hoje é preciso entrar no site de cada órgão e lá no link da agenda. A gente foi conhecer o sistema chileno, que publica os casos de lobby. Eles deram o sistema gratuitamente para a gente, fizeram a gentileza de traduzir para o português. Não vai precisar mais entrar em cada site, vai poder entrar no sistema e baixar até em Excel, filtrar por lobista…
BBC News Brasil - Vai ser só lobby ou toda a agenda?
Rosário - Toda a agenda, por isso que chamamos de decreto de agenda e não de lobby. Só que quando as informações forem de lobby, com reuniões de representação de interesses cujo o nome é audiência, elas vão ser mais qualificadas. Hoje consta normalmente, o nome dos participantes, horário e assunto. Agora vai entrar quem você representa, quais interesses, quais decisões da autoridade que você quer modificar. A responsabilidade de alimentar (a base) é da autoridade e se não fizer está sujeita a sanções. Se um reitor pediu uma reunião comigo, mas chegam também o vice-reitor, professores, um deputado e um senador… todo mundo tem que constar.
BBC News Brasil - Recentemente a BBC News Brasil publicou informações sobre uma auditoria da CGU no Ibama, mostrando que o órgão estava deixando de arrecadar até R$ 20 bilhões em multa porque não digitalizou os autos de infração. No Executivo federal, falta de eficiência da gestão é um problema maior que a corrupção?
Rosário - A gente vai discutir quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. A péssima gestão é fruto da corrupção em que péssimos gestores são colocados nos cargos para facilitar a corrupção ou isso é consequência? Não sei. Os dois são grandes problemas, não sei dizer qual é o pior.
Vi uma reportagem uma vez na qual se falava que a corrupção representa, na média, de 5% a 15% de desvio de uma empresa e a má gestão atinge 40% de perdas. Acho que a má gestão pode ser mais maléfica que a corrupção. Mas acho que no Brasil muito da má gestão vem da corrupção. Passar a lotear cargos sem devida competência, sem qualificação técnica… Já não se sabe se é incompetência ou se faz parte do sistema de corrupção.
BBC News Brasil - Ouço muito servidores reclamando que estão amarrados, que não querem assinar mais nada porque é tanta regra, tanta norma que é muito fácil quebrar… Concorda com essa afirmação?
Rosário - Concordo em termos. Tem gente que usa isso como desculpa, mas tem caso de insegurança jurídica grande. Um caso é o de acordo de leniência. Outro dia recebi uma notificação dizendo que neguei acesso do TCU e que vão abrir um processo contra mim. Total falta de compreensão sobre o que é. Temos o compromisso de manter sigilo - se eu não fechar o acordo tenho obrigação de devolver todas as provas e contar como se nunca as tivesse visto. Mas o Tribunal vê obstrução ao trabalho deles quando há compromisso de sigilo. Isso gera insegurança e medo do servidor.
Eu mantive (minha decisão) e disse que eles não vão acessar porque tenho muita certeza do que estou fazendo. Mas que não é a média do servidor. O salário vai ser o mesmo se ele se omitir e não fizer nada ou se colocar nome dele e for responsabilizado. Muito disso foi gerado pela falta de noção dos órgãos de controle.
Às vezes vamos pelo caminho mais oneroso só para cumprir as normas e a gente não discute as normas. Na CGU, a orientação para os auditores é: se você identificou um problema e não tem solução, não é problema. Temos tentado modificar essa cultura.
BBC News Brasil - Vamos falar de contingenciamento. A CGU tem um orçamento enxuto em termos de investimento, já que a maior parte está comprometida com despesas obrigatórias...
Rosário - Temos R$ 110 milhões entre custeio e investimento, sendo que quase 93% é pagamento de pessoal. Temos 2.000 funcionários, acho que é o menor número da (nossa) história. Hoje estão saindo por aposentadoria e mas já perdemos muito servidores para outros órgãos, como TCU e Câmara.
BBC News Brasil - Com esse orçamento enxuto, o que não estão podendo fazer?
Rosário - Nos últimos dois anos, a CGU teve aumento de 40% no orçamento. Saímos de R$ 78 milhões para R$ 110 milhões. No ano passado, a gente gerou um benefício financeiro de R$ 7,3 bi para o governo e fechamos R$ 6 bilhões em acordos (de leniência).
A gente considera benefício tudo o que a gente evita que saia ou que a gente faz retornar sem ações judiciais. A gente sabe a situação pela qual o país passa, fomos contingenciados em R$ 23 milhões. Mas mês que vem jogo R$ 500 milhões direto na conta do governo (provenientes) de um acordo (de leniência) e eles vão repor meus R$ 23 milhões. Vou dar R$ 470 mi para eles colocarem na educação.
BBC News Brasil - Há plano de contratar, já que estão com o menor número de servidores?
Rosário - Está em andamento. Paulo Guedes (ministro da Economia) falou que não vai ter concurso, mas pra gente ele ainda não falou, não. Ele viu que realmente necessita. Pega a Espanha, que é um país pequeno. O órgão deles correspondente à CGU, que só faz auditoria, tem 3.500 pessoas e temos 1.980 num país que sete vezes maior que a Espanha. Fui no Chile agora, eles têm 2.300 (servidores) na Controladoria e eu nem sei quantas vezes o Chile é menor que o Brasil. Nossa deficiência é grande.
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