O cientista político Bolívar Lamounier, um dos intelectuais mais importantes do Brasil, ligado ao PSDB, acredita que as forças políticas brasileiras estão desnorteadas e que as eleições de 2018 devem trazer um cenário de fragmentação política pior do que o visto em 1989. "Em comparação, o quadro atual é de uma patética mediocridade", ressalta ele.
Autor de livros como a Classe Média Brasileira: ambições, valores e projetos de sociedades (Ed.Campus, 2009) e Os Partidos e as Eleições no Brasil (Editora Paz e Terra,1975), que escreveu ao lado de Fernando Henrique Cardoso, ele apontou em uma entrevista por e-mail qual sua visão para o cenário eleitoral neste ano e afirma que os riscos da fragmentação política vão além das eleições: podem se refletir em um Governo fraco e pouco representativo.
Pergunta. Em artigo recente o senhor afirmou que a democracia brasileira precisa pegar no tranco. O que precisa mudar para isso acontecer?
Resposta. Pegar no tranco é uma expressão coloquial brasileira que significa pegar rápida e vigorosamente. Com isso eu quis dizer que nosso sistema político e nossa democracia são demasiado frágeis se comparados aos desafios que o Brasil previsivelmente terá de enfrentar nas próximas duas décadas. O momento conjuntural que estamos vivendo ilustra muito bem esta afirmação. Estamos tendo grande dificuldade para aprovar no Congresso uma tímida reforma da Previdência, questão que em breve terá de ser retomada, provavelmente já no próximo mandato presidencial. Não conseguimos fechar o Orçamento de 2018, vamos carregar um déficit de 180 bilhões de reais. Nosso sistema educacional é uma catástrofe. Nosso déficit em saneamento é uma vergonha, metade dos domicílios não está conectado à rede pública. Nossa renda anual por habitante não alcança a metade da renda de Portugal e Grécia, países pobres no contexto europeu. Para atingir o nível deles, com uma distribuição muito pior, vamos levar uma geração inteira. Ou seja, há um círculo vicioso entre pobreza e debilidade política. Para quebrar esse círculo e robustecer a capacidade decisória do país, teremos de fazer uma reforma política enérgica e abrangente.
P. Aécio Neves falou recentemente que acredita na força de um centro aglutinado para as eleições de outubro. Acha que isso seria possível?
R. Isso é muito necessário, mas sou cético quanto à possibilidade de acontecer. As forças políticas estão desnorteadas, atingidas que foram pelas investigações de corrupção e pelo desastre econômico provocado pelo Governo Dilma Rousseff. O próprio senador Aécio Neves é um exemplo disso. Em 2014, foi uma esperança, como candidato à presidência. Agora é alvo de uma hostilidade generalizada dentro de seu próprio partido, o PSDB, devido a contatos suspeitos que manteve com um empresário de péssima reputação. No momento, é difícil pensar em qualquer tipo de convergência, porque a tendência é oposta, é a fragmentação. E não porque haja uma contraposição forte entre direita e esquerda, esses termos já não significam praticamente nada na política brasileira.
P. Muitos cientistas políticos apontam que a eleição de 2018 pode ser a com maior número de candidatos, aos moldes da 1989. Acredita nesta possibilidade?
R. Isso é uma decorrência do que afirmei em minha resposta anterior. Mas a situação é pior que a de 1989, porque entre os 22 candidatos daquele ano havia vários líderes de grande expressão nacional. Em comparação, o quadro atual é de uma patética mediocridade. A exceção mais importante é Geraldo Alckmin, o Governador de São Paulo. Outra seria Lula, mas ele está condenado a nove anos de prisão. Se essa sentença for confirmada pela segunda instância, neste mês, é pouco provável que ele possa entrar na disputa. Faço uma ressalva em favor de alguns pequenos partidos que se formaram recentemente. Qualidade intelectual e ética eles podem ter, mas nada sugere que terão estrutura para serem realmente competitivos.
P. E quais os efeitos que uma eleição com tantos candidatos pode ter?
R. O risco principal é o de um Governo fraco, sem bases reais na sociedade e pouca capacidade de governar. Veja o caso de Jair Bolsonaro. Pessoalmente, não creio que sua candidatura decole, mas se o grau de pulverização for muito forte, ele poderá passar ao segundo turno. Trata-se de um militar estacionado no posto de capitão, político há 29 anos, que nunca fez nada relevante. Por enquanto, ele aparece com bons percentuais nas pesquisas de intenção de voto, mas isso é apenas um reflexo da situação crítica que o país está vivendo. Milhões de eleitores procuram uma cara nova, outros acreditam que um militar, só por ser militar, teria capacidade de pôr ordem na casa.
P. Que candidato pode se beneficiar de um cenário tão pulverizado?
R. Lula certamente se beneficiará do eleitorado da região Nordeste, onde seu governo praticou o paternalismo e o clientelismo em larga escala. Mas uma coisa é o Lula da década passada, quando a economia brasileira crescia a taxas elevadas e ele não precisava arbitrar conflitos graves, outra muito diferente seria o Lula de 2018, tentando governar numa situação econômica dificílima e atingido até a medula pelas investigações de corrupção.
P. Por que, nos últimos quatro anos, nenhum partido tradicional conseguiu lançar um nome novo? Qual a dificuldade disso?
R. Penso que por três razões, pelo menos. Primeiro, os escândalos de corrupção desvendados por operações como a Lava Jato e outras, que sacudiram o sistema político como uma bomba atômica. Segundo, decorrência da anterior, a hostilidade indiscriminada a todos os partidos e à quase totalidade dos políticos que têm atualmente algum mandato eletivo. Todos se tornaram inaceitáveis. Terceiro, o caráter oligárquico de todos os partidos, sem exceção. Todos os dirigentes tendem a ver seus partidos como propriedade privada deles, e não como uma correia de transmissão entre o Estado e a sociedade. Como figura de direito público que é, o partido político tem (deveria ter) a função de negociar e equacionar os múltiplos conflitos de interesse que nascem da sociedade, articulando-os para a decisão final e imperativa do Estado. Mas não me parece que essa seja a visão deles.
P. O PSDB errou ao apoiar o impeachment e o Governo de Michel Temer, extremamente impopular e visto como ligado à corrupção, por tanto tempo?
R. Não, não errou. Mais dois anos de Dilma Rousseff destruiriam a economia brasileira e acirrariam os conflitos sociais além do imaginável, sem esquecer que ela mesma havia sido presidente do Conselho de Administração da Petrobras, o epicentro da corrupção. Uma vez substituída por Michel Temer, e tendo este se comprometido com uma agenda econômica racional, o PSDB tinha o dever de apoiar tal programa. Erro, a meu ver, foi participar do Governo, ocupando quatro ministérios.
P. Acredita que isso pode ter um custo para o partido?
R. Sem dúvida, os custos estão aí à vista. O partido vem sendo profundamente questionado. A eleição de 2018 será fundamental não só do ponto de vista estritamente eleitoral, mas em conexão com a própria sobrevivência do partido. Para não soçobrar, penso que três condições são essenciais. Primeiro, afastar de seus quadros o senador Aécio Neves, que se tornou um fator de desagregação. Segundo, tomar distância em relação ao PT, que além de estar afundado na corrupção, não consegue se livrar de sua ideologia pré-histórica. Terceiro, relançar-se como um partido ambicioso, entrando na campanha com uma agenda abrangente e moderna.
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