A analista administrativa Fabiana (nome fictício), de 30 anos, planejou o parto do primeiro filho em casa, em São Paulo. Assistiu a palestras, fez cursos, contratou enfermeira e doula e pagou R$ 4 mil pelo procedimento. “Era um sonho, mas depois virou pesadelo. Tive depressão, deixei meu emprego e culpo a mim mesma por tudo”, diz ela, que perdeu o bebê após o nascimento, no ano passado. Casos como esse levam entidades médicas e Ministério Público a apurar a ocorrência de mortes e sequelas de mães e bebês em partos domiciliares feitos sem assistência e em ambiente inadequado.
O Estado levantou histórias que repetem o drama de Fabiana. São 24 casos, entre 2013 e 2015, em que seis bebês e duas mães morreram e 14 bebês e duas mães sofreram sequelas em São Paulo, Rio, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Fabiana ficou 13 horas em trabalho de parto e seu filho, após cesariana de emergência, morreu. Um enredo que, segundo obstetras, poderia ter tido outro final.
André Dusek/Estadão “Todos os dias nos chegam notícias de gestantes abandonadas nas portas de hospitais para serem assistidas porque esses partos não tiveram êxito”, diz César Eduardo Fernandes, presidente eleito da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), com posse prevista para janeiro. “O parto domiciliar não é eficaz nem seguro e, por isso, as entidades médicas não o recomendam.” O procedimento, porém, não é proibido.
Quando a gestante é socorrida às pressas, a estatística do insucesso vai para a de partos hospitalares e há a subnotificação. Pela primeira vez, autoridades começam a apurar os casos.
Investigação. No Distrito Federal, o MP investiga a responsabilidade pela morte de três bebês e sequelas em outros nove. Uma dessas ocorrências é a da servidora Isabela (nome fictício), de 30 anos, cujo bebê sofreu sequelas motoras após um parto em casa.
Ela pagou R$ 12 mil pelo procedimento “com a equipe de uma médica famosa de Brasília, que foi quem fez o pré-natal e era especialista em parto pélvico”. Só que a médica e a doula não apareceram. “Depois de dez horas de trabalho de parto, o bebê começou a sair, pela manhã”, diz. Médica e doula só apareceram 50 minutos depois.
Ao nascer, às 7 horas, o bebê ficou sete minutos sem respirar. Recuperado, aparentava estar bem e a obstetra foi embora, mas à tarde a criança passou mal e foi levada ao hospital. A médica disse que o bebê nasceu às 15 horas, o que levou os médicos da UTI a cometerem erros no atendimento. O caso foi parar no MP, e a Justiça aceitou a denúncia contra a profissional.
Ainda em Brasília, Marina (nome fictício), de 26 anos, foi levada para uma cesariana após o parto em casa. Perdeu Maria Isabel depois de o bebê ficar 12 dias na UTI. “Não pude nem beijar minha filha. Ela aspirou o mecônio (primeiras fezes eliminadas pelo bebê) na barriga, causando hipertensão pulmonar e lesão no cérebro.”
O promotor Maurício da Silva Miranda conta que uma obstetra, uma enfermeira e uma doula estão sendo processadas criminalmente. “Os casos foram tantos em Brasília que os hospitais decidiram fazer o registro de gestantes socorridas de partos domiciliares para se livrar de responsabilidades.”
No Rio, maternidades proibiram a entrada das chamadas naturalistas, responsáveis pelos partos domiciliares e que são contra a participação de obstetras. “O problema é que usam de falácias para iludir as gestantes que são atraídas pelo sonho de um parto perfeito”, afirma Marcelo Burlá, presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro (Sgorj). Burlá diz que há cerca de dois meses três bebês tiveram problemas em partos domiciliares - dois sobreviveram mas ficaram com sequelas.
Sem comparação. A professora de Obstetrícia Helaine Milanez, da Unicamp, diz que o comportamento dessas equipes não pode prejudicar o parto humanizado. “Os radicais são contra qualquer intervenção no parto, mesmo que seja necessária, para salvar a vida do bebê”, afirma. Para ela, a mulher precisa ter liberdade, com respaldo de equipamentos, pessoal especializado e possibilidade de ser socorrida.
Segundo o Ministério da Saúde, intercorrências afetam até 15% dos partos domiciliares - foram realizados 22.767 em 2013 (último dado disponível), segundo o DataSUS, com 817 mortes. Em todo o País, foram feitos 2,9 milhões de partos.
Falta de profissionais. A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp) recorreu ao Ministério Público Federal (MPF) para tentar garantir que hospitais e maternidades do Estado funcionem com equipe obstétrica 24 horas por dia.
Amostragem feita pela Sogesp revelou que cerca de 40 maternidades paulistas estavam funcionando sem profissionais, em desacordo com a legislação. A falta deles, além de prejudicar usuários de planos de saúde, é empecilho a partos normais. “Há ações judiciais de beneficiários de planos que sofreram danos à saúde e mesmo óbito”, diz a advogada da Sogesp, Andrea Lazzarini Salazar.