“Dê meia volta”, ordenou o presidente do Supremo Tribunal Federal ao motorista. O carro estava a caminho de uma posse no Tribunal Superior do Trabalho e o ministro Marco Aurélio, então presidente do STF, acabara de ser informado que os cerimoniais da corte e da Vice-Presidência da República estavam brigando.
O presidente da República não poderia comparecer ao evento e mandara o vice em seu lugar. Aí que começou a briga entre cerimoniais: ditam as regras de costume que o presidente da República sempre fica com a cadeira mais importante. Se ele não está, o lugar de destaque fica com os chefes dos demais poderes, primeiro Legislativo e depois Judiciário. O vice-presidente só herda a honraria do colega de chapa se estiver no exercício da Presidência. Do contrário, a cadeira central deve ir para outro chefe de Poder.
Só que o cerimonial da Vice-Presidência parecia desconhecer os detalhes da norma. E de tanta intransigência a briga chegou aos ouvidos de Marco Aurélio. Ele não pensou duas vezes antes de dar a ordem ao motorista. Para o ministro, uma desfeita ao presidente do Supremo Tribunal Federal é uma desfeita ao Poder Judiciário – justamente o pedaço do Estado cuja principal função é garantir os direitos de todos os cidadãos. Em última instância, era uma afronta à forma com que a sociedade escolheu se organizar.
Eventualmente o vice-presidente também soube da discórdia e mandou avisar o cerimonial do Supremo que a cadeira central pertencia ao ministro Marco Aurélio.
O episódio, à primeira vista prosaico, até folclórico, é também preciso. A partir dele se conclui de que forma o ministro usa a toga que veste. “A importância, como julgador de uma cadeira no Supremo, não tem igual. Somos 11 em 205 milhões.”
No último sábado (13/6), o ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mellocompletou 25 anos como integrante do Supremo Tribunal Federal. Um mês depois, no dia 12 de julho, completa 69 anos. “Estava de saída, pois completo 70 anos em 2016, mas veio essa PEC. Agora saio em 2021, aos 75. Mas espero não precisar de uma bengala tão cedo”, brinca, ao comentar a Emenda Constitucional que mudou a idade da aposentadoria compulsória para 75 anos, a PEC da Bengala.
Na telinha
Foi com o Supremo em mente que o ministro criou a TV Justiça. E é ela quem torna o STF a suprema corte mais transparente do mundo.
Inicialmente uma ideia para, à semelhança do que já acontecia com a TV Senado e com a TV Câmara, divulgar o Poder Judiciário, o canal de televisão hoje é uma instituição que praticamente faz parte do sistema de Justiça brasileiro.
Marco Aurélio esteve em todas as etapas. Da concepção da ideia à sanção da lei que instalou o canal e o tornou obrigatório em todos os serviços de TV a cabo. O canal fundou-se num tripé: transmissão dos julgamentos, produção jornalística e produção de conteúdo educativo.
Nem por isso se tratou de tarefa fácil, embora convencer o país de que era uma boa medida não tenha sido difícil. O anteprojeto de criação da TV saiu do gabinete do ministro, e entre negociar com o Ministério das Comunicações e com o Congresso e a lei ser efetivamente aprovada foram oito meses. Inegavelmente um tempo recorde.
Marco Aurélio sancionou a lei como presidente da República em exercício. Depois que o projeto já estava pronto para ser aprovado, o então presidente do STF pediu ao senador Ramez Tebet que segurasse o texto.
O ministro sabia que dali a alguns dias assumiria a Presidência da República, já que todos os demais aptos a fazê-lo estariam impossibilitados. Num jantar, encontrou o presidente Fernando Henrique Cardoso e pediu que ele adiantasse o que faria com a TV Justiça. Se fosse para sancionar, pediu Marco Aurélio, gostaria de fazê-lo, no exercício da Presidência. Se fosse para vetar, que o próprio FHC cuidasse do assunto.
“Sanção e veto são seus”, respondeu Fernando Henrique. E assim, para júbilo do então presidente do STF e desgosto de boa parte dos colegas de corte, foi criada a TV Justiça.
Pela segurança
A resistência interna foi capitaneada pelo então decano, ministro Moreira Alves. Em entrevista à ConJur publicada em agosto de 2012 ele explicou sua posição. Disse que a transmissão dos julgamentos poderia passar a ideia de que o Plenário “é uma arena de discussões”. E segundo ele, depois da TV, as sessões passaram a ficar longas demais, pois os ministros “hoje falam para aparecer na televisão”.
Às vésperas da entrada no ar da TV Justiça, em 2002, um ministro procurou Marco Aurélio para se opor à transmissão. “Deveríamos repensar esse projeto de transmitir ao vivo as sessões do Supremo. A exposição será muito grande. Há o risco de levarmos tomates nas ruas”, disse o juiz. E Marco Aurélio de pronto rebateu:
Não posso responder por Vossa Excelência, mas o que eu faço em Plenário certamente não merecerá tomates.
Mas o fato é que, à cerimônia de sanção da lei, só compareceram os ministros Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie. Também estava lá o hoje ministro Gilmar Mendes, que ainda ocupava a cadeira de Advogado Geral da União. Durante alguns anos, a transmissão das sessões do Pleno eram gravadas e transmitidas depois. Foi o ministro Maurício Corrêa, quando presidente do STF, quem autorizou a transmissão ao vivo. Nunca houve qualquer edição, mas confortava os mais antigos saber que, se quisessem, poderiam mandar cortar algumas falas.
O acidente
Marco Aurélio chegou à magistratura em 1978, quando ingressou no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Ele era membro do Ministério Público do Trabalho, mas foi nomeado juiz do Trabalho em uma vaga destinada ao quinto constitucional da advocacia.
Na época, a Constituição estabelecia que o Ministério Público Federal acumulasse a representação da sociedade e a defesa do Estado. E também era permitido aos procuradores advogar. O mesmo acontecia com os integrantes do MPT: representavam os interesses do trabalhador, mas podiam advogar. E Marco Aurélio advogava.
Chegou à comunidade jurídica quase que por chamado. Seu pai, Plínio Affonso de Farias Mello, era advogado do Banco do Brasil e dono de uma imobiliária. O jovem Marco Aurélio ajudava na empresa do pai e por isso decidiu cursar o científico, já de olho na faculdade de Engenharia. Até 1967, o ensino médio era dividido entre científico, normal e clássico. Quem pretendia estudar Direito optava pelo clássico, que tinha ênfase nas ciências humanas. O científico era para os mais ligados às ciências exatas.
Mas aos 20 anos, em 1966, o hoje ministro sofreu um acidente. Morava “num casarão” na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Uma noite, sonâmbulo, atravessou uma porta de vidro e sofreu diversos cortes profundos. Mudou-se para uma chácara da família, perto de Cabo Frio, para se recuperar. Quando voltou ao Rio, desistiu da Engenharia e seguiu o sonho de estudar Direito. Formou-se em 1973, na Faculdade Nacional de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Questão de hábito
Foi em 1977 que Marco Aurélio começou a desenvolver seu estilo de falar. Quem já conversou com ele certamente se espantou com a precisão ortográfica do discurso. Jornalistas que já tiveram a oportunidade de entrevistá-lo sabem que raramente é preciso revisar a transcrição. O ritmo da fala do ministro é o da gramática: ele fala por escrito.
Não é proposital. Desde que estava na Procuradoria do Trabalho se manifesta sem escrever. Fala a um gravador para que depois a manifestação seja transcrita por assessores. E como o parecer tinha de sair pronto para a revisão jurídica, o português tinha de ser correto e de fácil compreensão. E quem convive com ele brinca que, de tanto falar em português correto, o ministro se esqueceu de “virar a chave”. Conversa com amigos em situações reservadas como se estivesse num pronunciamento público.
Até hoje o ministro vota num gravador. A diferença é que em 77 ele usava um Ditafone. Era um avanço tecnológico dos anos 70 que se tornou um trambolho: um gravador de fita magnética de dois rolos com um microfone. Hoje, um gravador digital que cabe na palma da mão é quem faz o trabalho. Depois o voto é degravado “por uma moça que é a pessoa que mais me ouve na vida”. Já no papel, o texto passa por uma revisão de estilo feita por um setor do gabinete chefiado por uma profissional graduada em Letras. E só então vai para a revisão jurídica.
Por isso é que Marco Aurélio faz cinco votos no mesmo tempo que um colega faz um ou dois, conta feita pelo próprio vice-decano. “O segredo de gravar é não querer ver o que você já gravou. Se ficar retroagindo a fita, você se perde, e, ao invés de ganhar tempo, perde tempo. A gravação é uma marcha.”
Em Brasília
Marco Aurélio ficou pouco no TRT-1. Em 1981 foi nomeado ministro do Tribunal Superior do Trabalho, movimento que hoje já não poderia mais fazer. A legislação atual estabelece que, para ingressar no TST por meio de uma vaga da carreira, é preciso que se tenha chegado ao tribunal de origem por meio de promoção, e não pelo quinto constitucional.
E é à passagem pela Justiça do Trabalho que o ministro atribui “essa sensibilidade maior no proceder e na arte de julgar conflitos de interesses”. Já o TST foi a escola definitiva para “saber julgar entre pares”.
O Supremo, ensina, é um colegiado de pares. Todos são iguais a despeito das diferenças de formação. O presidente, diz o ministro, é um coordenador de trabalhos, jamais um chefe.
Mas se hoje é uma espécie de ministro-modelo, Marco Aurélio garante que jamais cogitou de ingressar no STF. “Estava muito feliz no TST. Na época em que fui nomeado estava na Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho. Em breve seria eleito vice-presidente do tribunal e, depois, presidente”, lembra.
O nome dele passou a ser cogitado para o Supremo ainda durante a presidência de José Sarney, que durou de 1985 a 1989. O tribunal começava a receber importantes recursos tratando de matéria trabalhista e esse ramo da Justiça, prestes a completar 50 anos, nunca tivera um representante na mais alta corte do país.
Só que quando Marco Aurélio se tornou o candidato da Justiça do Trabalho ao Supremo, Fernando Collor, seu primo, já havia aparecido no cenário nacional como presidenciável. Uma das bandeiras do jovem candidato era a de “caçador de marajás”, e Sarney era apontado por ele como um representante da “velha política”.
Àquela altura, Marco Aurélio era um favorito absoluto à cadeira. O ministro Carlos Madeira havia chegado aos 70 anos e teve de sair pela aposentadoria compulsória. O problema era que outra bandeira da campanha de Collor era acabar com o nepotismo na política.
Como fazer para indicar um primo ao STF? Em retrospecto, a resposta foi simples. Collor pretendia nomear um membro de tribunal superior e sabia que o recém-criado Superior Tribunal de Justiça estava tomado por disputas internas por poder. Consultou o STJ e o TST sobre quem seriam os candidatos de cada tribunal. O STJ respondeu que todos os ministros eram candidatos. O TST, que Marco Aurélio era o nome da Justiça do Trabalho brasileira. “O presidente pôde, então, ficar bastante à vontade para me indicar”, lembra o ministro.
Velha guarda
O ministro Marco Aurélio costuma comparar a composição atual do Supremo com a “velha guarda” do tribunal. É como ele se refere à composição que encontrou quando chegou ao STF: Moreira Alves; Ilmar Galvão; Néri da Silveira; Aldir Passarinho; Sydney Sanches; Octavio Gallotti; Célio Borja; Paulo Brossard; Sepúlveda Pertence; e Celso de Mello.
Normalmente, a comparação é para criticar alguma prática que nasceu com a composição atual. Exemplo já clássico é, nas votações em lista, a transformação de embargos de declaração em agravo de instrumento. É um dos famosos votos vencidos do ministro.
O que o Plenário costuma fazer é, ao se deparar com um embargo de declaração, instrumento usado para apontar omissão, contradição ou obscuridade no acórdão, transformar o recurso em agravo de instrumento, usado para recorrer de decisão inapelável. Fazem isso porque é comum a interposição de embargos para questionar o mérito das decisões, o que seria inadequado.
Marco Aurélio explica que esse movimento decorre do princípio da fungibilidade. “Toma-se o recurso pelo que seria adequado, na contramão”, critica. A reclamação do ministro é que, transformado o embargo em agravo, o Pleno desprovê o recurso afirmando que a parte não atacou todos os fundamentos da decisão. “Mas calma, ela não interpôs agravo! O que ela interpôs foram embargos de declaração para, decidido esse recurso, posteriormente, poder manusear ou não um agravo”, comenta. “Discordo, e me convençam.”
Corte Moreira Alves
Só que também foi a mesma velha guarda que tornou a vida do ministro bastante difícil no Supremo. Marco Aurélio aponta sempre para o ministro Moreira Alves, o eterno decano. Ele chegou ao Supremo em 1975, aos 42 anos, nomeado pelo presidente Ernesto Geisel depois de ter sido o procurador-geral da República do presidente Emílio Médici. Entrou para a história como um dos mais jovens a ser nomeado à cadeira e também como um dos que ficou nela por mais tempo.
Moreira Alves foi ministro durante quase 28 anos e por mais de dez foi o decano. Era tido como um conservador, embora, como já escreveu o ministro Gilmar Mendes, “o desenvolvimento e significativas conquistas relacionados com a jurisdição constitucional no Brasil estejam indelevelmente associados” ao ministro.
Como decano, Moreira Alves forçava seus entendimentos. Logo depois do voto do relator, começava a discutir a questão e a tentar desconstruir, sem a mesma elegância ou ironia do ministro Marco Aurélio, os argumentos dos colegas. Essas duas características fazem com que alguns estudiosos se refiram ao Supremo da época em que Moreira Alves foi decano como “Corte Moreira Alves”.
E foi a Corte Moreira Alves que viu na nomeação de Marco Aurélio algo menor: era oriundo da Justiça do Trabalho e primo do presidente que o indicou. Foi aquela composição, por exemplo, que criticou o novato por ousar divergir de um agravo apresentado pelo presidente da corte, o ministro Néri da Silveira. Marco Aurélio conta se tratar de um tabu vigente à época. Não era permitido divergir do presidente quando ele votasse em agravo.
Mas o ministro garante que nunca tentou se provar digno do cargo.
Sempre atuei com muita espontaneidade, e creio que o colegiado é um somatório de forças distintas. Nós nos completamos mutuamente e eu sempre busquei atuar adotando minhas posições, sem perceber essa cobrança implícita para saber qual seria o meu conhecimento em outras áreas do Direito.
Marco Aurélio se vê como um conciliador. Certa vez, recém-chegado ao STF, ofereceu um churrasco na casa dele e convidou todos os ministros. Néri da Silveira ainda era o presidente. Era um ministro singular. Extremamente formal no trato, de fala mansa, quase inaudível, e católico devoto, não era o tipo de pessoa que parecia confortável em eventos sociais. Dizia-se até que em seu gabinete não trabalhavam mulheres. O ministro se dizia sem jeito para despachar com funcionárias.
Quando fez o convite para o churrasco, Marco Aurélio avisou que estaria de bermudas, pois o evento era informal, apenas uma confraternização. Néri da Silveira obedeceu: chegou à casa de Marco Aurélio de sapato, calça social, camisa abotoada até o pescoço e paletó. Deixara a grava em casa, pois era só um churrasco.
Entre colegas
O ministro também garante que nunca teve problemas com o colegiado durante a presidência. O único desentendimento foi o episódio dos servidores.
O início do problema se deu entre a eleição de Marco Aurélio e sua posse do cargo. Ele avisou ao diretor-geral do tribunal que não trabalharia com servidores aposentados. As secretarias da Presidência eram tradicionalmente ocupadas por servidores que acumulavam as aposentadorias com os cargos. Não existia ainda o teto da remuneração do serviço público, e, por isso, esses funcionários recebiam contracheques bem maiores que os próprios ministros.
Ninguém gostou da medida. Como troco, o tribunal aprovou uma emenda regimental para obrigar o presidente a submeter todos os servidores que nomearia ao Plenário. “Foi uma atitude absurda, inaceitável, inadmissível e desrespeitosa”, afirmou Celso de Mello, hoje decano do tribunal.
O resultado se viu nas urnas. A regra de sucessão na Presidência do STF é que sempre é eleito o ministro mais antigo que nunca presidiu a corte. Tradicionalmente as eleições se dão por 10 votos a um: o candidato jamais vota nele mesmo. Marco Aurélio foi eleito com 9 votos. Moreira Alves também não votou nele.
O decano estava insatisfeito com a demissão do médico do tribunal, Célio Menicucci. Ele trabalhava no Supremo há mais tempo que a maioria dos ministros e é uma figura folclórica de Brasília – foi médico do presidente Juscelino Kubistchek, por exemplo.
A participação do ministro Carlos Velloso, presidente que antecedeu Marco Aurélio, na movimentação contra o presidente do STF recém-eleito também foi sentida. Conta-se que ele, propositalmente, demorou para marcar a cerimônia de posse do colega. Até hoje os dois não mantêm boa relação.
Questão de opinião
Isso não quer dizer que o ministro seja uma vítima. Não são raros os exemplos de embates, alguns históricos, que teve com colegas em Plenário. A diferença, garante, é que essas disputas jamais saem do Plenário.
O embate mais sério que teve foi com o ministro Joaquim Barbosa. Foi em um dos casos mais importantes da história recente do Supremo: a permissão da interrupção da gravidez no caso de feto anencefálico. Marco Aurélio, relator, concedera liminar para permitir o aborto e depois levou o caso para o Plenário.
Barbosa reclamou. Disse que a questão era muito complexa para uma decisão monocrática. Marco Aurélio se irritou:
Ministro, vamos parar com as agressões, porque o local não é este. Mas se Vossa Excelência quiser, lá fora, eu estou à sua disposição.
Anos depois, já em 2015, o ministro Marco Aurélio disse à ConJur que não guarda qualquer rancor de Joaquim Barbosa. “Ele tinha algo interessante. Era uma coisa na sala do lanche, nas conversas com os colegas, fora do ambiente de julgamento. Mas com a capa, para tornar prevalecentes suas ideias, ele às vezes atropelava, partindo para uma postura mais agressiva.”
Embora protagonize algumas discussões, o perfil do ministro é apaziguador. Ele teve, por exemplo, uma rusga com o ministro Luis Roberto Barroso durante o julgamento da Ação Penal 470. Marco Aurélio votava pelo não recebimento de embargos de declaração, e fez ponderações: “Os olhos da nação estão voltados para o Supremo. Considero em termos institucionais uma assentada de simbolismo maior. Para aqueles que o acompanham as emoções do julgamento devem estar sendo intensas”.
Barroso respondeu: “Eu nesta vida, neste caso e em outros, faço o que acho certo, independentemente da repercussão. Não sou um juiz que me considero pautado pela repercussão”. “Não me considero um juiz pautado pelo o que vai dizer o jornal do dia seguinte, que aguarda uma manchete favorável”, continuou.
E ouviu a tréplica: “Veja que o novato parte para uma crítica ao próprio colegiado, como partiu em votos anteriores. Disse, inclusive, que se estivesse a julgar não decidiria da forma com que decidimos. Não respondi à crítica porque foi para mim. Não foi velada, mas crítica direta. [Não respondi] porque achei que não era bom”.
História e futuro
Durante os últimos 25 anos, ficou patente que o envolvimento de Marco Aurélio nas discussões do Supremo Tribunal Federal fizeram a corte se modernizar e se moldar à Constituição Federal de 1988 — "a lei que a sociedade fez para o Estado, jamais o contrário", como define o ministro Ayres Britto.
E é em outra característica do ministro que o impulso por modernização é mais notório: o voto vencido. Quando Marco Aurélio tomou posse da Presidência do Supremo, o discurso de homenagem ficou a cargo do ministro Celso de Mello. E ele ressaltou que os pronunciamentos do STF devem ser "paradigma de reflexão no esforço da construção da cidadania". E nisso, declarou o hoje decano, os votos vencidos sáo fundamentais, pois "iluminam os nossos caminhos, ajudando-nos a forjar, em nossos espíritos, a consciência superior da liberdade e da cidadania".
Dificilmente alguém analisou a questão com mais precisão e profundidade que Celso de Mello, quando se referiu ao colega que agora faz 25 anos de corte: "A história tem registrado que, nos votos vencidos, reside, muitas vezes, a semente das grandes transformações".
Hoje o ministro Marco Aurélio brinca com isso. Diz que o colega exagerou, e lembra da analogia do ministro Nelson Jobim: "Ele dizia que sou como o ferrinho do dentista, que fica ali no nervo exposto, cutucando".
Mas não há como negar que Marco Aurélio plantou algumas sementes de transformação na história do Supremo. E como ele mesmo já adiantou que pretende ficar mais cinco anos no tribunal, será mais meia década que o Brasil assistirá o Supremo tomar as rédeas do avanço social e cultural por meio do voto vencido. É como ele diz: