GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer

GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer
Desde o início de suas atividades, em 1996, o GACC - então Grupo de Apoio à Criança com Câncer - existe para aumentar a expectativa de vida e garantir a oferta e a qualidade global do tratamento oferecido integral e indistintamente a crianças e jovens com câncer, diagnosticados com idades entre 0 e 19 anos incompletos, independente de sexo, cor, religião ou posição socioeconômica.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Mulheres e o Poder

Resumo: este artigo aborda a importância da participação da mulher na política brasileira, os avanços históricos para que essa participação aumente e questiona a eficácia das cotas eleitorais. Embora haja leis que determinem a obrigatoriedade de mulheres na vida política do país, especialmente no Legislativo, essa participação ainda é tímida, pois, tanto a má qualidade da lei de cotas eleitorais ofertada pelo poder público como a responsabilidade quase que exclusiva das mulheres com os afazeres domésticos, a vida em família, a criação dos filhos, etc., faz com que a participação na vida pública ainda seja mais difícil para as mulheres do que para os homens. A igualdade de gênero na política ainda é um sonho distante no Brasil e os mecanismos desenvolvidos pelo poder público para efetivar essa igualdade não tem ofertado os resultados desejados.

Introdução
O objetivo deste artigo é levantar algumas questões referentes à importância da participação feminina nas esferas de poder institucional, mais especificamente nas casas legislativas federais, e quais os caminhos possíveis para fomentar essa participação. Para tanto, procedeu-se à revisão da literatura sobre o tema em questão e apoiou-se em dados estatísticos dos órgãos oficiais do Brasil. Autores renomados foram consultados para embasar as opiniões aqui refletidas.
A história das mulheres na vida política brasileira se mistura com a história do Brasil. Desde os tempos coloniais, as mulheres participaram das lutas sociais, lutaram nas revoltas, envolveram-se com as transformações políticas em curso.
Entretanto, foi a partir do século XIX que as mulheres brasileiras, influenciadas pelos movimentos sufragistas da Europa e dos EUA, intensificaram a luta por direitos políticos. Na assembleia constituinte de 1891, o voto feminino esteve presente em inúmeros debates e fez com que as militantes da causa acreditassem que a primeira Constituição Republicana do Brasil garantiria a participação de todos e todas.
Mas não foi o que ocorreu. O art. 70 da referida Constituição determinava que: “São eleitores todos os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei” e, apesar de a proibição não ter sido expressa, a jurisprudência de época entendeu que as mulheres não estavam contempladas entre os cidadãos.
Como muito bem disse Celi Pinto, em seu artigo Mulher e Poder: “não se citou a mulher em 1891, não se lhes prescreveu limites, simplesmente se excluiu, não se reconheceu a sua existência.”[1]
 Sob influência dos movimentos europeus de sufrágio universal, foi fundado, em dezembro de 1910, no Rio de Janeiro, o Partido Republicano Feminino e, mesmo as mulheres não sendo eleitoras ainda, o partido conseguiu o registro oficial em 1911 e se tornou um espaço para lutar pelo direito ao voto. Pinheiro aponta que:
“A criação do partido foi marcante, uma vez que se constituiu em um partido político formado por pessoas sem direitos políticos e cuja possibilidade de atuação teria que se dar, portanto, fora da ordem estabelecida.”[2]
Bertha Luz, bióloga feminista, em seu artigo publicado na Revista da Semana, em 14 de dezembro de 1918 apontou que:
“As mulheres russas, finlandesas, dinamarquesas, norueguesas, suecas, alemãs e inglesas — quer dizer, uns cento e vinte milhões de mulheres na velha Europa — já partilham ou brevemente partilharão do governo, não só contribuindo com seu voto para a eleição dos legisladores, como podendo ser elas próprias para o exercício do poder legislativo.”[3]
Nos anos seguintes a luta continuou e, em 1922, no mesmo ano que foi fundado o Partido Comunista do Brasil, foi fundada por Bertha Luz a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, instituição que iniciou um processo de negociação pelo sufrágio universal junto à elite política do país.
Bertha Lutz pertencia à elite intelectual e econômica do Brasil, formada na França, a bióloga organizou o movimento sufragista a partir de uma postura de diálogo com os homens. O modus operandi do movimento era o do convencimento da importância do voto para as mulheres e não do enfrentamento sobre a condição da mulher na sociedade.
A partir do movimento sufragista, o governador do Rio Grande do Norte, decidiu modificar a constituição estadual e, na redação final do art. 77, determinou que: “No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por lei”. A professora Celina Guimarães Vieira, de Mossoró, tornou-se a primeira eleitora brasileira.
No mesmo estado da federação, Alzira Soriano foi eleita em 1928 para o cargo de prefeita, tornando-se a primeira prefeita eleita no Brasil, porém, por decisão da Comissão de Poderes do Senado, não conseguiu concluir seu mandato.
Finalmente, 1932, o então presidente Getúlio Vargas, promulgou o Decreto n° 21.076/32, instituindo o Código Eleitoral Brasileiro e determinando em seu artigo 2° que eram eleitores todos aqueles cidadãos maiores de 21 anos sem discriminação por sexo.
Interessante apontar que, apesar do direito ao voto ter ocorrido tardiamente, se comparado à Nova Zelândia, à Inglaterra e aos EUA, na America Latina o Brasil foi precursor, estando atrás apenas do Equador e do Chile. A França, por exemplo, conhecida pela bandeira da igualdade, liberdade e fraternidade, só autorizou o voto feminino em 1945 e Portugal só retirou todos os empecilhos ao voto das mulheres em 1976.
No Brasil, em um primeiro momento só poderiam votar as mulheres casadas, desde que autorizadas pelos maridos, e as viúvas e solteiras com renda, mas na Assembleia Constituinte de 1934 todas as restrições foram extintas e o voto feminino se consolidou como um direito das mulheres.
Ainda em 1932, a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz foi eleita, pelo estado de São Paulo, a primeira deputada federal do Brasil. Nas eleições regionais de 1934 foram eleitas deputadas em Santa Catarina, em Alagoas, no Rio Grande do Norte e em São Paulo.
Após a Segunda Guerra Mundial, aflorou mundialmente o desejo por democracia e liberdade. No Brasil convocou-se uma nova assembleia constituinte em 1946 e dezoito mulheres foram candidatas a deputadas federais, mas nenhuma foi eleita para compor a Assembleia. Nas eleições de 1950, Ivete Vargas, parente de Getúlio Vargas, elegeu-se por São Paulo e tornou-se única mulher da nova legislatura.
Nas eleições de 1954, Ivete Vargas foi reeleita e Nita Costa foi eleita pela Bahia, mas nas duas legislações seguintes, 1958 e 1962, apenas Ivete Vargas se manteve na Câmara Federal.
Após o golpe de 1964, as mulheres, irmãs, mães dos deputados cassados pelos militares se candidataram a fim de representá-los, caso que fez com que seis mulheres fossem eleitas em 1965. Todavia, nas eleições de 1974, retornou-se ao patamar prévio, sendo apenas uma mulher eleita para a Câmara Federal.
A primeira mulher a ocupar a cadeira do Senado Federal foi Eunice Michilles, em 1979, na vaga de João Bosco Lima que faleceu no percurso do mandato, e apenas em 1990, duas senadoras foram eleitas para o cargo.
O processo de redemocratização do país fez com que no início dos anos de 1980 a participação das mulheres aumentasse. Nas eleições de 1982 oito foram eleitas deputadas federais e na Assembleia Constituinte de 1986, vinte e quatro mulheres tornaram se deputadas constituintes.
A Organização das Nações Unidas-ONU aprovou, em 1979,a convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher. Cinco anos depois o Brasil ratificou a convenção com ressalvas. Em 1994, retirou as ressalvas e assumiu um compromisso internacional com a igualdade de gênero. Entre as obrigações dos Estados estão:
“Art. 7-Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o direito a:
b) participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções publicam em todos os planos governamentais”.
A partir dessa convenção, o Estado brasileiro se tornou obrigado a desenvolver formas para promover maior equidade de gênero na esfera política.
A convenção abriu caminho para a idealização de uma política pública que estimulasse a participação feminina nos espaços da política institucional, pois na última década do século XX, a representatividade das mulheres não chegava a 5% do total de cadeiras do Congresso Nacional.
No intuito de transformar essa realidade, a deputada Marta Suplicy, com o apoio da bancada feminina, propôs e aprovou em 1995, a Lei 9100/95,  que determinou que os partidos políticos reservassem a cota mínima de 20% para as mulheres nas chapas para o legislativo municipal do ano seguinte. Em 1997, foi aprovada a Lei 9.504/97, que então fixou em 30% o percentual de vagas ao sexo minoritário e não mais às mulheres.
Em 2009, com Lei 12.034/2009, conhecida como a minirreforma eleitoral, os partidos foram obrigados a preencher, e não só reservar, 30% nas chapas eleitorais para as candidatas.
Entretanto, os primeiros resultados pós-modificação legal não demonstraram mudanças significativas na situação em tela. Para Bandeira e Melo:
“As cotas que existem desde então não alteraram nada deste quadro partidário. A taxa de participação de candidatas e elites permanece estagnada. Comparem as bancadas eleitas em 2006 e 2010, tem-se um mesmo número de mulheres eleitas, nem parece que houve uma mudança na legislação eleitoral que determinou em 2009 uma mudança na legislação eleitoral para estimular as candidaturas femininas... Estas regras estão escritas nas leis, mas não nas vidas das mulheres.”[4]
Vale ressaltar que a política de cotas trata apenas dos cargos eletivos no legislativo, isto é, os cargos majoritários, os prefeitos/as, governadores/as, senadores/as e presidente da república, não estão submetidos a nenhuma restrição por gênero.
A participação das mulheres nas eleições majoritárias também é desproporcional à população feminina, entretanto, a eleição majoritária em si tem o objetivo de eleger um vencedor ou vencedora,  que irá governar para todos, independente do grupo social a que o eleito ou a eleita pertença. Nas eleições proporcionais, por sua vez, o congressista defende ou representa uma parcela da sociedade, um grupo social, uma causa.
1. A importância das mulheres nos espaços de poder
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em novembro de 2010, que a população brasileira ultrapassava os 190 milhões e que as mulheres correspondiam a 51,3% dos brasileiros.
O mesmo instituto, na pesquisa PNAD/IBGE de 2008, informou que 43% das mulheres ocupadas encontravam-se em situação precária, sem os direitos trabalhistas garantidos e, em alguns casos, sem remuneração alguma, enquanto os homens, na mesma situação, não chegavam a 28%.
As mulheres, atualmente, são maioria na educação superior. O senso da educação 2009 aponta que as mulheres ocupam 55, 1 % das vagas, nos cursos presenciais e 69,2% das vagas nos curso a distância.
A maior escolaridade, por sua vez, não modificou a realidade salarial. Bandeira e Mello nos explicam que:
“Em 2008, enquanto as mulheres brancas ganhavam, em média, 63% do que ganhavam homens brancos, as mulheres negras ganhavam 65,8% dos homens do mesmo grupo racial e apenas 35,3% do rendimento médio de homens brancos.”[5]
Os argumentos acima citados são exemplos de que a desigualdade de gênero e raça ainda é uma realidade no Brasil.
 Para defender uma política pública que garanta a participação equânime das mulheres é preciso entender qual é a importância dessa participação para a diminuição da desigualdade, para a afirmação da cidadania e para a consolidação da democracia no Brasil.
A Constituição brasileira de 1988 representa o reconhecimento da vitória da democracia em nosso país, pois sua base ideológica está no Estado Democrático de Direito e seus pilares são a garantia dos direitos sociais e individuais: a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a justiça e a igualdade.
A igualdade pretendida na Constituição engloba a igualdade formal e a igualdade material, isto é, além de positivar que todos são iguais perante a lei, a Carta Magna determina, em seu preâmbulo constitucional, que o Estado brasileiro seja: “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
O Estado brasileiro tem o compromisso de buscar a igualdade de oportunidades, onde as diferenças são respeitadas e consideradas nas ações estatais. Para Piovesan, “Ao lado do direito à igualdade, surge também, como direito fundamental, o direito à diferença.”[6]
A Cidadania, por sua vez, “pressupõe a igualdade entre todos os membros da sociedade, para que inexistam privilégios de classes ou grupos sociais no exercício de direitos.”[7]
A visão clássica de cidadania incluía apenas os nacionais do país, como ocorrera no Brasil até a Constituição atual. A partir de 1988, cidadania passou a ser mais do que um titulo de identidade, mais do que direitos políticos de participação, a cidadania passou a ser um princípio norteador para consolidar os direitos e deveres fundamentais da sociedade brasileira.
Interessante salientar que o princípio da cidadania não garante apenas direitos aos cidadãos, mas também imputa a participação. A cidadania como um direito que demanda a participação do indivíduo na vida em sociedade está presente na Constituição Brasileira de 1988.
No tocante à consolidação da democracia, o Brasil dispõe de arcabouço legal para que o Estado aja de forma a igualar as oportunidades de todos e todas, até porque “a implementação do direito à igualdade é tarefa essencial a qualquer projeto democrático, já que em ultima analise a democracia significa igualdade.”[8]
Logo, para combater essa desigualdade foi assegurado o desenvolvimento de políticas publicas de caráter afirmativo, isto é, políticas do Estado que ofereçam meios de enfrentar as injustiças ocasionadas por preconceitos, por falta de oportunidade, por dificuldades intrínsecas a determinada condição, as conhecidas ações afirmativas. Para Piovesan:
“Faz-se necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo... a igualdade e a discriminação pairam sob o binômio inclusão-exclusão... não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um persistente padrão de violência e descriminação.” [9]
Retornando ao debate de gênero e sobre a importância da participação das mulheres nos espaços de poder institucionais, Miguel defende que: “Há, em primeiro lugar, uma questão de justiça intuitiva: não pode estar certo que metade da população seja representada por apenas 5% dos membros do Congresso.”[10]
Para Pinheiro, “há um entendimento de que a ausência de mulheres nessas esferas remete ao silêncio e corresponde, portanto, à ausência de representação de seus interesses.” [11]
Outro argumento muito comum na defesa da participação das mulheres na política e de que, como as mulheres estão acostumadas a cuidar da família, dos filhos, da casa, logo seu tratamento para com a coisa pública seria mais solidário, mais responsável, mais preocupado com questões sociais como saúde, educação. Tal justificativa se baseia em uma atuação feminina voltada única e exclusivamente para as questões de gênero, como se outras identidades, compromissos ideológicos, trajetórias políticas não fossem interferir na atuação das mulheres.
Essa argumentação tem sido rechaçada por diversas correntes feministas, pois reafirma um lugar inferiorizado para a mulher, além de desobrigar os homens das tarefas sociais. Miguel, no mesmo artigo diz:
“O discurso da política maternal insula as mulheres neste nicho e, desta forma, mantém a divisão do trabalho político uma divisão que, mais uma vez, destina aos homens as tarefas socialmente mais valorizadas.” [12]
O último argumento aqui apresentado, e talvez o mais sólido, é sobre a necessidade e o direito das mulheres de serem representantes delas mesmas. Como o gênero mais populoso, suas especificidades precisam ser levadas em conta e ninguém melhor do que as próprias mulheres para apontar suas necessidades.
Pinheiro conclui que “a presença de mulheres nos parlamentos representaria a construção de canais por meio dos quais as tornaria possível ouvir as vozes, as necessidades e os interesses da população feminina.” [13], e não apenas nas temáticas relacionadas às questões de gênero, mas sobre todas as questões inerentes à sociedade, incluindo economia, transporte, guerra e o que mais o parlamento debater.
Quando levantada a importância da participação feminina, discursos feministas enfatizam que a presença das mulheres é necessária, pois só assim a defesa de temas como aborto, creche, divisão dos trabalhos domésticos, porém como salienta Pinto:
“Esta presença não garante que as mulheres tenham se eleito com plataformas feministas ou sejam feministas. Mesmo assim é muito mais provável que as demandas por direitos das mulheres sejam defendidas por mulheres do que por homens, independente da posição política, ideológica e mesmo de inserção no movimento feministas.”[14]
Todavia, defendendo ou não temas historicamente femininos, a participação das mulheres é essencial para concretizar a igualdade de gênero na sociedade e, com o objetivo de atender a essa demanda foi instituída a política de cotas eleitorais no Brasil.
2. As cotas eleitorais
A Constituição de 1988 determina proteção especial às crianças, aos idosos, aos índios, aos negros, às mulheres, entre outros, absorvendo a lógica de que é preciso implementar a igualdade e que o Estado precisa oferecer caminhos para impedir a discriminação e possibilitar o acesso de todos e todas aos seus direitos.
Entre os grupos que precisam de proteção especial para alcançar a igualdade estão as mulheres. Com o entendimento de que as mulheres são sujeitos de direitos e que, para conquistar esses direitos, é necessária uma proteção especial por parte do Estado.
O intuito da criação de cotas nas chapas dos partidos políticos foi garantir uma discriminação positiva, uma ação afirmativa para buscar equilibrar a participação política entre os gêneros. Para Alves e Cavenagui “Existe uma distorção na representação política parlamentar de gênero no Brasil. Durante mais de 500 anos os homens monopolizam o exercício dos cargos de direção política.”[15]
A implementação das cotas reconhece a disparidade entre homens e mulheres na representação política e oferece um instrumento para modificar essa realidade.
Em 29 de setembro de 1995 foi promulgada a lei nº 9100/95, que estabelecia as normas para as eleições municipais de 1996. Nos artigos referentes ao registro dos candidatos, foi determinado no art. 11°, § 3, que os partidos políticos deveriam preencher as vagas nas chapas eleitorais com, no mínimo, 20% de mulheres.
A forma com que foi redigida a lei acima citada “deu margem ao questionamento sobre a inconstitucionalidade do artigo, pois estabeleceu um tratamento diferenciado para o sexo feminino.”[16]
Em 1997, o Congresso Nacional aprovou uma nova versão para a ação afirmativa, a Lei 9.504, e, em vez de apenas citar a reserva de vagas para as mulheres, garantiu a reserva de “o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.”[17]
A modificação encerrou o debate constitucional, porém, o impacto causado pelas duas leis foi pequeno nas eleições municipais para a legislatura 1997-2000. As mulheres passaram de 8% para 11% das cadeiras legislativas municipais.
A avaliação feita na época responsabilizava o pouco tempo de existência da lei e a má divulgação junto à sociedade pelo fraco desempenho da ação afirmativa. As perspectivas para as eleições nacionais e estaduais de 1998 eram de um maior resultado da política de cotas.
Entretanto, não foi o que aconteceu, apesar da cota, apenas 29 mulheres foram eleitas deputadas federais, quatro a menos que na legislatura anterior. A despeito dos esforços, o Brasil atravessou o novo milênio com uma representação feminina no Congresso Nacional por volta de 6%.
Em 2002, foram eleitas 42 mulheres para a câmara dos deputados, um aumento de 45% em relação à eleição anterior, mas na eleição seguinte, 2006, o número de deputadas passou de 42 para 45, aumento pouco significativo e a estagnação de menos de 10% do total de congressistas na casa legislativa federal.
Em 2009, foi aprovada a Lei 12.34/09, conhecida como a minirreforma eleitoral, com o propósito de alterar a lei dos partidos políticos de 1997, a lei em voga determinou uma série de mudanças na estrutura eleitoral, com início na eleição presidencial de 2010.
Dentre as determinações da nova lei, estava a reafirmação da cota de gênero, porém, os partidos deixaram de ter que reservar as vagas e passaram a ser obrigados a preencher vagas das chapas dos partidos políticos com, no máximo, 70% e, no mínimo, 30% de cada gênero.
Além das cotas, com já dito anteriormente, a minirreforma garantiu 5% do fundo partidário para a promoção e difusão da participação das mulheres na política e 10% do tempo de propaganda gratuita para difundir a participação política feminina.
A eleição de 2010 foi também a eleição da primeira presidente mulher do Brasil, fato que fez com que fosse amplamente debatido pelos organismos de imprensa, acadêmico, estatísticos, entre outros a participação feminina no poder.
Para a surpresa das feministas, a nova cota, maior e mais incisiva, não foi capaz de alterar o quadro eleitoral, foi eleito o mesmo número de deputadas e a legislatura da primeira mulher na presidência conta com 9,6% de deputadas.
2.1 As cotas não funcionaram?
As ações afirmativas, nas quais as políticas de cotas estão incluídas, visam igualar as oportunidades por meio de uma discriminação positiva. É uma ação do poder público para possibilitar que grupos socialmente subjugados possam competir em pé de igualdade com os outros grupos sociais Em relação às mulheres, Rangel defende que:
“Ações afirmativas para as mulheres são necessárias para equalizar o acesso à política institucional, levando em conta a perspectiva social e as trajetórias diferenciadas. As cotas são indicadas por funcionarem como mecanismos de discriminação positiva para combater o problema estrutural da baixa participação feminina.”[18]
Alves, por sua vez, aponta que pesquisas de opinião (Instituto Vox Populi) revelam que “O eleitorado não discrimina o sexo feminino, ao contrário, considera as mulheres mais competentes, sensíveis e honestas ao ocuparem cargos de responsabilidade pública.”[19]
O instituto Patrícia Galvão e o Ibope conduziram uma pesquisa de opinião sobre a lei de cotas para as mulheres e revelaram que 75%(setenta e cinco por cento) da população brasileira apoia as cotas. Por que então uma política de discriminação positiva não está modificando a porcentagem de participação das mulheres nos espaços institucionais de poder, especialmente no legislativo?
Em primeiro lugar podemos apontar a própria lei de cotas que, mesmo depois da minirreforma eleitoral, não impôs penalidades aos partidos políticos que não obedeceram a porcentagem mínima de gênero e as vagas não preenchidas pelas mulheres pouco atrapalham os partidos.
Isso ocorre porque, quando da aprovação da política de cotas, o número de candidatos que um partido ou coligação pode oferecer ao eleitorado foi aumentado para 150% (cento e cinquenta) do número de vagas nas casas legislativas.
Logo, se um determinado estado tem 50 cadeiras de deputados, cada partido ou coligação pode produzir uma chapa de candidatos com 75 (setenta e cinco) nomes.
Tal resolução fez com que os homens, na verdade, não fossem obrigados a abrir mão de 30% (trinta por cento) das suas vagas, as vagas das mulheres se tornaram vagas extras. Para Miguel:
“Não há sentido em serem lançadas mais candidaturas do que as vagas em disputa (O Brasil é um dos poucos países que permitem tal contrassenso). Com menos candidatos, os votos obtidos pelas mulheres tornam-se mais importantes, o que estimularia as direções partidárias a buscar candidatas competitivas.”[20]
Outra dificuldade no caminho das mulheres é a estrutura eleitoral de lista aberta, em que todos os candidatos e candidatas competem com os demais pelo voto do eleitor e da eleitora. Nesse sistema o que mais conta é a campanha nominal, a personalidade pública, a capilaridade da figura do candidato na sociedade. Para isso, quem decide se candidatar precisa ter uma estrutura partidária e financeira à disposição, precisa ter acesso aos meios de comunicação, em especial ao programa eleitoral gratuito, precisa ter correligionários imbuídos em eleger, enfim, precisa de uma base política e o acesso das mulheres a essa base ainda é muito inferior ao dos homens. Alves e Cavenagui constatam que “Não existe vazio na política. A ausência das mulheres das instancias de decisão parlamentar é, em grande parte, o reflexo do monopólio masculino sobre a atividade política institucional.”[21]
A dificuldade acima descrita se transforma em um empecilho na chegada das mulheres nos espaços legislativos porque as cotas não são referentes aos congressistas em si, mas sim aos candidatos e candidatas. A escolha de fato está vinculada ao voto, e o voto, na eleição brasileira, está vinculado às condições acima descritas.
Os partidos políticos talvez sejam os maiores responsáveis pela baixa representação feminina, pois é a estrutura partidária que irá determinar quem tem acesso a recursos, quem terá tempo de propaganda eleitoral gratuita, quais candidatos serão agraciados com apoios políticos, com dobradas eleitorais. Sem a estrutura partidária uma campanha eleitoral não consegue se desenvolver.
A partir desse entendimento que a minirreforma eleitoral aprovou uma reserva de no mínimo 5% (cinco por cento) do fundo partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, impondo inclusive um aumento de 2,5% (dois e meio por cento) quando o partido não cumprir e destinou 10% (dez por centos) do tempo da propaganda eleitoral gratuita dos partidos para a divulgação da importância da participação feminina.
Tais medidas, implementadas apenas nas eleições de 2010, ainda precisam ser observadas por mais tempo para se chegar a algum resultado.
A questão familiar também é uma das amarras sociais para a participação das mulheres na política em geral. Como a manutenção da vida ainda está a cargo delas, o tempo disponível para se dedicar à vida político-partidária é inferior ao tempo do homem. Para Rangel, “o alto grau de desigualdade na divisão sexual do trabalho social na sociedade brasileira, combinado ao peso da dupla jornada, possui impacto direto na desmobilização das mulheres comuns em relação à política.”[22]
Importante salientar que, mesmo que a mulher consiga galgar cargos eletivos, suas obrigações familiares e domésticas não serão assumidas pelos homens, mas serão transferidas a outra mulher, seja ela uma funcionária ou membro da família.
Conclusão
A situação da representação feminina no Brasil é um problema para a democracia brasileira, pois a falta de mulheres nos espaços políticos institucionais causa uma desigualdade política e impede que o país se torne a sociedade justa, igualitária e fraterna que a Constituição Federal de 1988 promulgou em seu preâmbulo.
A luta das mulheres brasileiras perfaz a nossa história. O desejo de participar, de interagir politicamente esteve presente de forma organizada desde o século XIX e até hoje as conquistas femininas estão atreladas às lutas dessas mulheres pioneiras.
Desde os anos 1980 o Brasil assume compromissos internacionais para garantir mais equidade entre homens e mulheres nos espaços de poder e desde o final século XX o país conta com uma política de cotas eleitorais. Tal política se baseou em oferecer vagas às mulheres nas listas de candidatura dos partidos políticos, na intenção de que a partir da presença de mulheres entre os candidatos fosse crescer o número de mulheres eleitas.
A ação afirmativa obteve resultados e a presença feminina vem crescendo de forma gradativa desde sua implementação. Em 1994, última eleição sem política de cotas, eram 32 deputadas federais. Em 2010 são 46 mulheres congressistas.
Entretanto, o aumento não ocorreu da forma esperada. Ainda hoje a porcentagem de mulheres no legislativo federal não passa de 10%, enquanto as mulheres representam 51,3% da população brasileira.
As dificuldades em mudar essa realidade são muitas: em primeiro lugar a própria lei de cotas que, mesmo depois de reformas, não pune de forma contundente os partidos que não respeitam a porcentagem de, no mínimo, 30% e no máximo 70% de cada gênero em suas chapas eleitorais.
A estrutura de lista aberta, vigente no Brasil, também dificulta o acesso das mulheres, pois, como todos os candidatos disputam entre si pelo voto do eleitor, prevalece aquele que tem mais tempo disponível e mais estrutura familiar e partidária à disposição.
O que nos encaminha para os entraves das estruturas partidárias que, por meio do financiamento das campanhas e do controle da propaganda eleitoral gratuita, restringe as chances das candidatas quando as renegam à própria sorte, no entendimento que a obrigação se encerra na oferta da vaga na chapa eleitoral.
Por último, as obrigações familiares e domésticas se apresentam como um enorme empecilho para a participação feminina na política em geral, impondo às mulheres uma falta de tempo e uma certeza de que, em caso de vitória, as obrigações domésticas e familiares não serão encampadas pelos parceiros.
Podemos concluir que ainda há uma estrada a trilhar até que a igualdade de gênero seja uma realidade na esfera política, mas, para que haja progresso efetivo nesse campo, as ações institucionais precisarão levar em conta outros pontos para formular leis e/ou políticas públicas que de fato transformem a realidade atual.
A adoção de um sistema eleitoral de lista fechada com a obrigatoriedade de alternação de gênero, isto é, um homem, uma mulher, e assim em diante, é uma possibilidade para auxiliar na busca por igualdade.
Outra ação, mais simples de ser implementada, é a diminuição de vagas nas chapas, retornando ao patamar de listas de candidatura com no máximo 100% dos cargos oferecidos e não mais 150% como ocorre atualmente.
Todavia, a mudança mais importante e que poderá modificar a desigualdade imposta, é a transformação social das relações entre homens e mulheres.
Apenas quando o lugar da mulher na sociedade não for predeterminado, quando a reprodução da vida, não no sentido da geração de filhos, mas no sentido da manutenção do cotidiano, não ficar única e exclusivamente sob a responsabilidade das mulheres, será possível vivenciar uma forte presença feminina nos espaços políticos.
A democracia de fato precisa assegurar iguais condições de disputas a homens e mulheres e, para isso, precisa viabilizar novas formas de gerir a sociedade que não se baseie na dupla jornada de trabalho feminino.

As implicações jurídicas referentes ao descumprimento do poder familiar no dever da educação de crianças e adolescentes na educação básica

Resumo: A família contemporânea é muito diferente da família considerada tradicional: a família nuclear composta por pai, mãe e filhos de um único casamento. Os anos passaram e os estilos familiares foram modificados de acordo com a evolução da sociedade e a aceitação de novos padrões, porém, o poder familiar é igual para todos: tem por finalidade a proteção do menor, garantindo-lhe  formação integral de caráter, moral, educacional e afetiva, proporcionando uma vida segura e tranquila. Dos vários tipos de abandono, destaca-se o abandono intelectual e a luz da legislação brasileira, apresentar-se-á como este crime se caracteriza, assim como o Estado pode atuar junto a família nos casos de negligência familiar ou escolar. Também será apresentado o papel do Estado no contexto educacional para que junto das famílias o processo ensino-aprendizagem transcorra da melhor maneira possível, exercendo o direito proposto na Lei maior que é o Direito à educação. O direito à educação é garantido pela legislação brasileira para que o indivíduo tenha a oportunidade de agir como cidadão para expressar suas opiniões e que não seja manipulado pela sociedade que o cerca. Desta forma, espera-se que se tenha a oportunidade de exercer o seu papel de cidadão reivindicando por seus direitos.
Palavras-chave: Abandono intelectual. Educação. Família. Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação.
1 INTRODUÇÃO
As experiências vivenciadas durante a infância e a adolescência, sejam elas positivas ou não, serão refletidas na personalidade do adulto.
A nova configuração  do  poder  familiar junto as diferentes famílias do século XXI,  direcionam a responsabilidade civil dos pais por negligência na educação e no processo ensino-aprendizagem dos filhos.
Cabe ao poder familiar zelar pela proteção dos filhos menores de dezoito anos com o respaldo das leis em vigor: Constituição Federal, Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
É dever da família zelar pela integridade da criança e do adolescente protegendo-os sempre, indo em busca dos meios necessários para que se cumpra a legislação em vigor e que todos os direitos das crianças e dos adolescentes sejam cumpridos.
Compete ao Estado a garantia do Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, portanto cabe as famílias matricularem e acompanharem os seus filhos no processo de aprendizagem afim de que não venham a responder criminalmente por abandono intelectual, ou seja, não garantir a instrução primária aos seus filhos.
O Direito à educação leva os futuros cidadãos a consciência crítica e uma visão globalizada. A criança e o adolescente tem o direito a um ensino de qualidade e as famílias e a escola, tem  o dever em proporcionar este.
Se deixarmos o analfabetismo envolver nossos jovens os deixaremos a deriva de pessoas manipuladoras, pois sabe-se que a mídia intervém diretamente nos telespectadores e, se não houver uma visão crítica, as crianças de hoje adultos do amanhã, entrarão para o rol de pessoas sem opiniões próprias, aceitando situações impostas sem questionamentos.
2 A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
A família nuclear, considerada como família modelo até o final do século XX, composta por pai (provedor), mãe (dona de casa) e filhos (adultos moldes dos pais)  já não é mais a mesma. Os olhares que se voltavam a aqueles que fugiam a este estereótipo não existem mais: seja pela questão legal ou seja pela modernidade.
“A família conjugal moderna pode ser definida como uma instituição estruturada sobre uma relação de amor e de contrato, na qual dois indivíduos se relacionam livremente devido a uma escolha pessoal, porém, constrangida sob a égide de uma hierarquia sexual, pois ao homem cabe a vida pública e à mulher, a vida privada. Este modelo entra em crise a partir do momento em que se questiona a divisão sexual do trabalho e finda-se a idéia da dicotomia entre público e privado. As mulheres passam a participar da vida pública, a princípio através das atividades profissionais, se estendendo então à política e movimentos sindicais, aos estudos, à arte e cultura, causando assim uma redefinição da noção de família na contemporaneidade . A partir da década de 60, com a afirmação da emancipação feminina, o núcleo familiar conhece profundas mudanças, dentre elas o aumento do número de divórcios, de uniões livres, e de recomposições familiares bem como o surgimento de novos rearranjos, o pluralismo familiar é o resultado de uma transformação profunda das relações de gênero e da emergência de um novo equilíbrio entre autonomia individual e pertencimento familiar.” (VAITSMAN, 1994, p.21).
A forte instituição chamada casamento a cada dia perde forças para uma sociedade onde esperam-se direitos iguais e que se admite a união estável seja por heterossexuais ou homossexuais.
“A família tradicional é a união exclusiva de um homem e uma mulher, que se inicia por amor, com a esperança de que o destino lhes seja favorável e que ela seja definitiva. Um compromisso de acolhimento e cuidado para com as pessoas envolvidas e expectativa de dar e receber afeto, principalmente em relação aos filhos. Isto, dentro de uma ordem e hierarquia estabelecida num contexto patriarcal de autoridade máxima que deve ser obedecida, a partir do modelo pai-mãe-filhos estável.” (GOMES, 1988, p.25)
Esta família tradicional se organizava ao redor do pai. As crianças eram repreendidas quando necessário e existia ordem e respeito refletindo tais aspectos quando estas crianças se direcionam à escola, pois respeitavam os seus professores e temiam reclamações para as famílias. A criança tinha um direcionamento lhe era imposto, assim como limites que por ela era cumprido, mesmo que discordando, respeitava os mais velhos.
A mãe, cabia a organização da casa e acompanhar a educação dos filhos, seja em casa, seja na escola. A família se reunia no jantar para conversar e todos podiam falar sobre o seu dia.
Segundo Hintz (2001), foi no ano de 1943 junto a Legislação Brasileira que a mulher casada tinha o direito de trabalhar fora de casa sem a autorização do marido.
Com ida da mulher para o mercado de trabalho, os filhos precisaram ir mais cedo à escola e com isso perdeu-se os antigos padrões familiares onde a mãe se dedicava exclusivamente aos filhos, que impunha limites e respeito ao próximo. Pela família já não passar tanto tempo junta devido a correria cotidiana, se tenta compensar no não chamar a atenção tornando-se pais permissivos para não se indispor com os filhos, afinal ficam pouco tempo juntos. Desta forma, a autoridade familiar passa a ser de igual para igual: falta respeito por parte dos filhos com os pais e falta cobrança por parte dos pais para com os seus filhos.
Por outro lado, percebe-se maior afetividade do pai, algo que em tempos antigos não ocorria. Quando podem, pais brincam com seus filhos e dão carinho como beijos e abraços em um papel de igualdade afetiva com a mulher.
A independência financeira feminina, encorajou a mulher a ter seus filhos sem serem casadas tornando-as independentes originando um grande número de famílias monoparentais.
“A família monoparental ou unilinear desvincula-se da ideia de um casal relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um dos seus genitores, em razão de viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de sua filiação pelo outro genitor, produção independente, etc”. (DINIZ, 2002, p.11)
2.1 O PODER FAMILIAR
O Estado pode interferir no poder familiar quando houver necessidade. A perda do por familiar é a penalidade mais grave prevista no Código Civil direcionada aos pais que não cumprirem o que diz a legislação em vigor em prol do bem estar do menor de idade, incluindo o crime de abandono intelectual.
“Quem exerce o poder familiar responderá pelos atos do filho menor não emancipado que estiver em seu poder e em sua companhia, pois, como tem obrigação de dirigir a sua educação deverá sobre ele exercer vigilância. É óbvio que o filho, por sua vez e para que a referida vigilância seja completa, deva obediência e respeito aos pais. Esse conjunto de obrigações e direitos concedidos por lei aos pais denomina-se poder familiar”. (DOWER, 2006, p. 210)
Venosa (2009) conceitua o poder familiar como o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no que se refere a pessoa e aos bens dos filhos menores, ou seja, são os cuidados dos pais para com os seus filhos desde o nascimento até atingirem a maioridade.
O artigo  21 da Lei 8069/90 retrata que o poder pátrio pode ser exercido em igualdade de condições pelo pais e pela mãe forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Veronese (2005) descreve o poder familiar como o instituto de direito privado que evoluiu, com características de um direito social.
“A igualdade completa no tocante à titularidade e exercício do poder familiar pelos cônjuges só se concretizou com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo art. 226§ 5º, dispôs: Os direitos e deveres referente à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Em harmonia com o aludido mandamento, estabeleceu o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 21: O pátrio poder deve ser exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma que dispuser a legislação civil, assegurando a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência”. (VERONESE, 2005, p. 19 )
Segundo  Bittar (2006) o poder familiar é inalienável, imprescritível e irrenunciável.
“Inalienável porque os pais não podem transferir o poder familiar a outrem, a título gratuito ou oneroso, com a única exceção de incumbência do poder familiar, desejada pelos pais ou responsável, para prevenir o menor de qualquer situação irregular. Imprescritível porque mesmo o poder familiar não sendo exercido, ele não decai, somente nos casos permitidos por lei. E irrenunciável, porque os pais não podem renunciar ao poder familiar, visto que este não é um favor que eles irão prestar ao filho, e sim, um direito que eles possuem para beneficiar sua prole, sendo nulo o acordo de renúncia ou de promessa de renúncia. Mas os respectivos atributos podem ser confiados à outra pessoa, em casos expressamente contemplados na lei, como na adoção e na suspensão do poder dos pais”. (BITTAR, 2006, p. 21)
Assim sendo, o Estado pode interferir quando houver necessidade na ação de suspender ou retirar o poder familiar.
O artigo 1638 do Código referente a perda familiar pode ser dar de forma natural ou por ato judicial.
“Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono;III - praticar atos  contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente”. (Código Civil, artigo 1638)
O crime de abandono intelectual se enquadra no inciso segundo deste artigo, pois se caracteriza como um gesto de abandono. Afinal, cabe ao pais o sustento e o zelo pelo processo educacional do menor de idade.
O artigo 229 da Constituição Federal retrata que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos”. Assistir, seria acompanhar o menor de idade no processo educacional.
O mesmo ocorre com o Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 22 e 55 a serem explicados posteriormente, retratam a responsabilidade dos pais perante ao menor.
“Durante o casamento ou união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo”. (Código Civil, artigo 1631)
O poder familiar se dará por fim quando o menor atingir a maioridade. A morte de um dos pais, não tira o poder do outro cônjuge. A morte de ambos os pais, assim que nomeado um tutor para o menor terá todas as responsabilidades cabíveis na lei para amparar o menor órfão.
“A suspensão do poder familiar é uma sanção que visa preservar os interesses do filho menor, privando o genitor, temporariamente, do seu exercício, por prejudicar um dos filhos ou alguns deles. Nada obsta que haja o retorno paterno ou materno ao exercício do poder familiar, uma vez desaparecida a causa que originou sua suspensão”. (DINIZ, 2006, p.234)
A perda do poder familiar não é definitiva quando os pais comprovam que tem condições em prover uma vida tranquila e segura ao menor de idade ou quando o juiz determinar que esta deve ser cessada.
O poder familiar deve ser levado a sério e com responsabilidade por seus membros, pois a formação infantil depende dos pais que devem dispor de tempo, afetividade e garantir a formação moral, física, educacional e de caráter para que venha a se tornar um adulto seguro e responsável por seus atos.
3 O DIREITO A EDUCAÇÃO
Educar em seu sentido mais amplo significa transmitir conhecimentos, desenvolver valores e orientar a criança ou o adolescente o despertar de valores promovendo desafios que o façam refletir a realidade que o cerca.
“A educação engloba, a instrução, mas é muito mais ampla. Sua finalidade é tornar os homens mais íntegros, a fim de que possam usar da técnica que receberam com sabedoria, aplicando-a disciplinadamente. Instrução e educação, embora possam ser entendidas como duas linhas paralelas com finalidades diferentes, necessariamente devem caminhar juntas e integrar-se”. (MUNIZ,2002, p. 9)
Conforme citado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu art. 2º  “a educação é dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”.
As famílias brasileiras que dispõem de recursos financeiros optam em colocar os seus filhos em escolas da rede privada e, aqueles com menos condições matriculam os seus filhos na rede pública.
Sabe-se que no decorrer dos tempos o papel da escola modificou-se. Cabe a escola a função de formar cidadãos conscientes de seus deveres e direitos na sociedade orientando-os para a vida.
Porém, o papel primordial da escola, seja ela pública ou privada, é ofertar um ensino de qualidade e trabalhar em parceria com as famílias.
Percebe-se que aqueles que optam pela educação de seus filhos na escola privada delegam a esta, a obrigação de ir além das disciplinas a serem ministradas, ou seja, para estas famílias é dever da escola transmitir valores e princípios básicos, como o respeito, limites e a responsabilidade que deveriam ser ensinados no núcleo familiar.
Os menos favorecidos que matriculam os seus filhos na rede pública diferem-se no fato de não pagarem a mensalidade, contudo acabam por não cobrar pela qualidade de ensino, mas também delegam para a escola, a responsabilidade desta transmitir os princípios básicos familiares, eximindo a família de qualquer responsabilidade e posteriormente de qualquer ação feita pelo aluno.
São muitos os motivos que levam o aluno a desistir dos estudos: a necessidade de trabalhar, falta de interesse pela escola, disciplinas massantes e professores despreparados para ministrarem as aulas, doenças crônicas, problemas com o transporte, dificuldades de aprendizagem que geram o desestímulo, falta de incentivo e interesse dos pais, dentre outros.
A educação é um direito de todos como citado pelo art. 205 da Constituição Federal.
“A educação direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (Constituição Federal Brasileira, art. 205)
Portanto, cabe ao Estado promover um ensino de qualidade, para todos os segmentos, salas de aula equipadas e adequadas para facilitar o processo de aprendizagem dos educandos, assim como disponibilizar professores qualificados para ministrarem suas aulas de modo responsável direcionando os conhecimentos de acordo com as necessidades de cada educando.
Segundo a UNESCO, a educação de qualidade deve ser baseada no quadro de direitos humanos onde abordará a contemporaneidade, a diversidade cultural, o multilinguismo na educação, proliferação da paz, o desenvolvimento sustentável e competências para a vida.
O § 3º do artigo 208 da Constituição Federal prescreve que: “compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola”.
O censo escolar deve ser feito pelo Poder Público com o intuito de junto com os pais verificar a presença dos alunos, assim como desenvolver metas para que diminuam os índices de evasão escolar.
“Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprego em sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, o pai de família ou responsável por criança em idade escolar sem fazer prova de matrícula desta, em estabelecimento de ensino, ou de que lhe está sendo ministrada educação no lar.” (Artigo 30, da Lei nº 4024/61).
A legislação brasileira além da Constituição Federal, dispõe de outras lei que vem por assegurar o direito a educação das crianças e dos adolescentes no Brasil, dentre elas citam-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) , o Código Penal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a educação básica está dividida em etapas: Educação Básica, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Na Educação Infantil compreende a faixa etária de zero aos cinco anos. Não há a obrigatoriedade das famílias matricularem os seus filhos, porém de acordo com a LDB é dever de o Estado promover tal possibilidade sendo de responsabilidade deste segmento, os municípios.
Ao Ensino Fundamental direciona-se a faixa etária de seis a quatorze anos e é obrigatório, tendo o Estado por obrigação oferecer o ensino gratuitamente. Tal segmento é considerado pelo Estado como a formação mínima que deve ser garantida a todos os brasileiros.
O Ensino Médio tem a duração de três anos sendo por responsabilidade do Estado. Neste segmento espera-se que o educando tenha a oportunidade em aprofundar os conhecimentos adquiridos no período de estudos no Ensino Fundamental.
O Código Penal Brasileiro apresenta no artigo 246, o crime de abandono intelectual, quando os pais ou responsáveis deixam de possibilitar a instrução primária do filho em idade escolar.
Conforme o Código Penal, deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar o responsável terá como pena: detenção, conforme o Decreto-Lei nº. 2.848 de1940, art. 246.
O ensino primário citado no Código Penal equivale ao ensino fundamental.
Portanto cabe a família, e não a escola matricular e acompanhar o desempenho acadêmico de seus filhos e, cabe a instituição escolar, denunciar quando assim não for feito para os órgãos competentes quando perceber qualquer irregularidade no acompanhamento da família.
Cabe ao Estado promover ações que desenvolvam responsabilidade e consciência nas famílias e não apenas aplicar as medidas disponíveis junto a Legislação Brasileira. Existe a necessidade de serem desenvolvidas medidas de apoio e proteção.
3.1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Para crescer em um ambiente seguro, a criança necessita de cuidados e orientações para se crescer de forma sadia e equilibrada.
“A criança está desde seu nascimento vivendo um processo transferencial intenso, transferindo para figuras significativas, que desempenham papéis familiares, fantasias inconscientes e esperando dessas uma complementaridade satisfatória. Na medida em que essa complementaridade de papéis ocorre, a capacidade perceptual da criança desenvolve-se gradativamente, permitindo-lhe perceber, começar a ver essas figuras significativas de forma cada vez mais real, sem tantas projeções de fantasias inconscientes.”  (FERRARI, 2002, p.23)
A história do Direito da criança e do adolescente, segundo Saraiva (2005), passa por três etapas. A primeira delas se dá dos séculos XIX ao século XX: é a que o adolescente e a criança eram tratados de modo indiferenciado dos adultos. A segunda das etapas, teve início no século XX, considerada de caráter tutelar. Por fim, a terceira etapa, ocorreu em meados do século XX é a do caráter penal juvenil.
“Uma conquista relevante para proteção que assegura o cumprimento dos  direitos das crianças e dos adolescentes foi a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por intermédio da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, em seu art. 267,  revogou as Leis n.º 4.513, de 1964, e 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores), e as demais disposições em contrário, como o enunciado do art. 5:  nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na formada da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais” (AZEVEDO, 1997, p.51).
A legislação brasileira relativa à infância e juventude sofreu inúmeras influências até a implantação da Lei n. º 8.069 de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente conforme citado por Azevedo (1997).
O Estatuto da Criança e do Adolescente atesta que tanto a criança como o adolescente são prioridades destacando que tanto o Estado como a família são os responsáveis em proteger e fazer com que a lei se cumpra.
A Constituição Federal de 1988 reconhece as crianças e os adolescentes como indivíduos de direitos e que devem ser respeitados pela sociedade.
Foi através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que vem por ocorrer à regulamentação de vários dispositivos constitucionais relacionados à infância. Tal Estatuto surgiu como substituto do antigo Código de Menores, pois tem por principal objetivo a re-socialização do menor sem traumas e repressões. Com o ECA, a criança e o adolescente, passam a estar protegidos pela legislação.
“É de dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, a alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão”. (AZEVEDO, 1997, p.277)
Percebe-se que muitas crianças são desrespeitadas e exploradas por suas próprias famílias quando estas os incentivam e os encaminham às ruas para pedir dinheiro ou até mesmo para trabalhar com o intuito de aumentar a renda da família.
Sem o alimento adequado, tempo para estudar e a falta de incentivo, muitas crianças encontram-se fora das escolas aumentando os índices de analfabetismo ou contribuindo na formação de analfabetos funcionais, ou seja, escrevem os seus nomes, muitas vezes até leem pequenos textos, mas não compreendem o que leram ou o que escrevem.
O Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta fundamentos importantes ao considerar a criança e o adolescente, indivíduos de direitos e que devem receber proteção e ajuda em qualquer ocasião.
Partindo deste pressuposto percebe-se a urgência de que se faça cumprir a legislação. Não podemos admitir crianças fora da escola e sem o acompanhamento necessário por parte da família, pois caso contrário tal situação poderá se caracterizar como abandono intelectual.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente por meio da doutrina da proteção integral introduz no ordenamento jurídico nacional todo um sistema de garantias e direitos para as crianças e adolescentes consubstanciados em um conjunto de novos referenciais teóricos”.  (SPOSATO, 2003, p. 34)
O respeito é tratado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu art. 17º, na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, protegendo sua identidade, imagem, autonomia, valores, ideias e crenças. O art. 18º afirma que é dever de todo cidadão, respeitar a dignidade da criança e do adolescente, não o expondo a situações vexatórias, deixando-o a salvo de qualquer tratamento violento, aterrorizante, desumano ou constrangedor.
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. (BRASIL, 1990, s.p.)
O Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito de ação para a efetividade do direito à educação, sendo dever do Estado garantir este benefício para as crianças e os adolescentes.
“É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.” (Art. 54, Estatuto da Criança e do Adolescente, s.p.)
O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das leis mais avançadas em defesa do menor e do adolescente que expressa minuciosamente os direitos destes cidadãos.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente muda significativamente o paradigma de lei assistencialista por propostas direcionadas como educativas, promovendo e garantindo a defesa do menor, fiscalizando as instituições governamentais aplicando medidas de responsabilidade. Desta forma percebe-se que  o ECA não só é um conjunto de leis com medidas protetivas e/ou sócio-educativas: é um instrumento de cidadania”. (SARAIVA, 2005, p. 154)
Diz o art. 22 do ECA que “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.
Porém questiona-se, até que ponto este artigo cumpre-se pelas famílias brasileiras?
Dentre os diversos fatores que podem ser considerados como fundamentais, o acompanhamento escolar e o consequente abandono intelectual de crianças e adolescentes está na extensão da jornada de trabalho por parte dos responsáveis que deixam para a escola a responsabilidade de educá-los e orientá-los.
O Art. 55 diz que cabe aos pais ou responsáveis, a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Portanto, quando assim não o fazem, comete-se o abandono intelectual que pode ter como consequência a perda do poder familiar sobre aquela criança ou adolescente.
“Dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos; de reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares e de elevados níveis de repetência.” (Art. 56, Estatuto da Criança e do Adolescente, s.p.)
Para que os índices de evasão escolar, repetência e desempenho acadêmico atinjam as metas que se almejam, é de suma importância que haja o trabalho conjunto entre escola e família.
Frequentar a escola sem o acompanhamento familiar e o feedback da instituição de ensino para a família não atinge o objetivo proposto. Não cabe a escola substituir o papel dos pais, assumindo a responsabilidade sozinha em educar o aluno, sendo que o papel de tal ação deve ocorrer em parceria para que se obtenha sucesso.
Quando não houver esta parceria, cabe à escola descrever todos os fatos em livro ata e posteriormente, caso não haja colaboração por parte da família, cabe à escola denunciar ao Conselho Tutelar, para que se apurem os fatos e que as medidas legais sejam aplicadas.
O Conselho Tutelar é o primeiro órgão a atuar quando se percebe qualquer irregularidade na vida de um menor de idade. É um órgão público municipal de caráter autônomo e permanente, com a função dezelar pelos direitos da infância e juventude, conforme citado no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim que o Conselho Tutelar seja acionado, espera-se que este leve as orientações necessárias para as famílias que estiverem descumprindo as leis brasileiras direcionadas ao não cumprimento de algum dos direitos proferidos as crianças ou aos adolescentes.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, em seu artigo 136, as atribuições do Conselho Tutelar que são atender e aconselhar os pais ou responsáveis; requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; fiscalizar entidades de atendimento; requisitar certidões de nascimento ou de óbitos, bem como iniciar por meio de representação os procedimentos judiciais de apuração de irregularidades em entidade de atendimento e de infração administrativa às normas de proteção, entre outras que visam sempre”. (BRASIL, 1990, s.p.)
Após a orientação e procedimentos praticados pelo Conselho Tutelar, caso perceba-se que não estão sendo cumpridas as solicitações, a família será denunciada junto a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente sob argumentação de abandono intelectual e responderá processo judicial respondendo à legislação em vigor que tem o propósito de disciplinar aquele que não a cumprirem.
O inciso V do art. 129 ressalta que é dever dos pais além da matrícula, acompanharem a frequência escolar de seus filhos, pois de nada adianta matricular se não houver acompanhamento.
O papel a ser cumprido pela escola descreve-se no artigo 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente: os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos; reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares.
O Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou a Constituição e passou a ter força de lei, criando as pré-condições para que as crianças e os adolescentes sejam criados de modo mais saudável e respeitoso.
Com a implementação do ECA, a criança e o adolescente passaram  a ser vistos de forma diferenciada, ou seja, amparados pela lei que vem por exigir  prioridade por parte da família, da sociedade e do Estado.
3.2 O ABANDONO INTELECTUAL E O DIREITO PENAL
Abandonar um filho não significa apenas colocá-lo para fora de casa. A família abandona o seu filho quando deixa de atender os requisitos necessários para que a criança e o adolescente tenham uma vida saudável e tranquila.
Não se fala apenas de bens materiais como um celular novo ou brinquedos sofisticados. Fala-se sobre o afeto, preocupações, atenção e disponibilidade de tempo para acompanhar a vida do filho.
A família do menor de 18 anos tem a responsabilidade de atender este e direcioná-lo à escola que terá por papel primordial ser o elemento responsável  em desenvolver o raciocínio lógico e o papel do aluno na sociedade.
É dever dos pais preparar os seus filhos e direcioná-los para assumirem uma vida de responsabilidades preparando-os para viverem em uma sociedade democrática que exige respeito ao próximo, tolerância e flexibilidade para que saibam lidar com as frustrações cotidianas e aprendera cada dia com as situações vivenciadas.
“Pais mediadores e participativos podem ser descritos como promotores do enriquecimento cognitivo de seus filhos. Fazendo uso de processos interativos sistemáticos os pais ilustram um importante estilo de ensinar: o estilo de ensino mediatizado”. (FONSECA, 2002, p. 102)
O bem jurídico protegido é o direito do menor ter acesso a formação intelectual descrita na legislação.
Mirabete (2009), descreve o Código Penal como a reunião das normas jurídicas pelas quais o Estado proíbe determinadas condutas, sob ameaça de sanção penal, estabelecendo ainda os princípios gerais e os pressupostos para aplicação das penas e das medidas de segurança previstas em lei .
“A função do Código Penal, é a de proteger os bens jurídicos fundamentais, são eles: a vida, honra, patrimônio, integridade física, liberdade, costume, etc.,  impondo punições previstas na Legislação em vigor aos que praticarem delitos. As normas encontram-se sistematizadas por um complexo de princípios, sendo que toda a ciência do direito, chama-se dogmática jurídica pois seu objeto de estudo são as normas em vigor.” (MIRABETE, 2009, p. 35).
De acordo com o Código Penal Brasileiro, o abandono intelectual é um crime cometido pelos pais que deixarem de proporcionar aos seus filhos à instrução primária, ou seja, acontece quando os pais não matriculam os filhos, na idade escolar, nos estabelecimentos de ensino da rede pública ou da rede particular, conforme citado por Brandão Netto (2012).
“O Código Penal de 1940, que foi sancionado em 7 de dezembro, e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942, inaugurou o título dos crimes contra a família, em seu capítulo III, que prevê o crime de abandono intelectual no  Código Penal. Assim redigido:  Artigo 246: Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou  multa.” (BRASIL, Código Penal, 2004)
Interpretando o art. 246 do Código Penal em vigor desde 1942,  fica claro que quando a família deixa de prover a instrução, omite o seu dever como responsável em direcionar a criança ou o adolescente para escola e responderá judicialmente por tal ação, pois está infringindo um direito assegurado por lei: direito a educação.
O art. 244 do Código Penal refere-se ao abandono material e não pode ser confundido com o abandono intelectual, pois o abandono material ocorre quando os pais deixam de prover elementos essenciais para a sobrevivência dos filhos como alimentação, saúde, etc.
Quando os pais não matriculam os filhos na escola e não acompanham a vida acadêmica deste não respondendo aos chamados da escola, caracteriza-se o crime de abandono intelectual e a família responderá judicialmente por esta ação se caracteriza na omissão do dever em atender o art. 244 do Código Penal, assim como o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como citado no art. 227 da Constituição Federal.
“A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade  ao  desenvolvimento  dos  filhos  consiste principalmente  em ajudá-los  na  construção  da  própria liberdade.  Trata- se de uma inversão total,  portanto,  da ideia antiga e maximamente patriarcal do pátrio poder.” (HIRONAKA, 2002, p. 31)
Cita-se no Código Civil brasileiro no art. 1634 que aos pais compete, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação.
“O abandono intelectual trata-se de crime próprio, que somente podem praticá-lo os genitores, responsáveis pelas ações tipificadas; doloso, pois não há previsão legal para a figura culposa; também de forma livre, podendo ser praticado por qualquer meio forma ou modo; instantâneo, pois sua consumação não se alonga no tempo, e unissubjetivo que pode ser praticado, em regra, por um agente, individualmente, e ainda plurissubsistente, pois pode ser desdobrado em vários atos, que, no entanto, integram uma mesma conduta.”  (BITENCOURT, 2004, p. 155)
3.2.1 O crime de abandono intelectual
O direito ao menor ter acesso à escola, o direito do ensino de qualidade gratuito chama-se de objeto jurídico protegido.
“O direito à educação é um direito social, inserido dentre os direitos fundamentais do homem em nossa Constituição, apregoado como meio certo a conquista de uma efetiva igualdade e de liberdade do cidadão. Os direitos sociais têm o condão de criar condições materiais na busca da igualdade real, na medida que, proporciona condições ao exercício efetivo da liberdade”. (SILVA, 1995, p.65)
O sujeito ativo do crime são os pais quando negligenciam o direito à educação ou matriculam os seus filhos na escola e os deixam sob responsabilidade da mesma, não tomando conhecimento e/ou acompanhando o processo de ensino-aprendizagem.
          Quando os pais são separados cabe a ambos a responsabilidade de acompanhar o processo educacional do menor. Se a mãe é detentora da guarda não manda o menor para a escola e o pai sabe da situação, este pai estará praticando crime de abandono material, pois o pagamento da pensão alimentícia não supre a necessidade da presença paterna e/ou materna.
Nesta situação cabe ao pai direcionar uma petição o juiz da vara de família relatando que tem um filho (a) em idade escolar e este direito está sendo negligenciado pela mãe que é detentora da guarda, ou a mãe manda o menor para escola ou o pai pede reversão de guarda.
“Como representantes dos filhos em idade escolar, são os pais não só atores de obrigações, mas também agentes de defesa do Direito à Educação dos filhos. São os pais, por exemplo, os que podem exercer, em nome dos filhos, o direito de contestar os critérios avaliativos da Escola, recorrendo às instâncias escolares superiores; são os pais que podem exigir para os filhos o atendimento através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; enfim, estão os pais legitimados a exercer todos os atributos condizentes com conteúdo material do Direito à Educação sem prejuízo da iniciativa dos demais legitimados”. (LOUREIRO, 2005)
O crime de abandono intelectual se consuma no momento em que o ano letivo se inicia e o menor em idade escolar não está matriculado.
Se o menor não estiver matriculado por não ter escola próxima a residência ou não há vagas disponíveis, o motivo pode ser considerado justo e o Ministério Público deverá ser acionado para que o estado responda por tal ato de omissão.
Cabe a justiça não apenas compensar os indivíduos que sofreram algum dano, mas prover com a legislação em vigor, que haja a recuperação e que possa retornar a vida em sociedade sem danos de outrem e que os culpados sejam punidos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer da História e o aperfeiçoamento das legislações, foram sendo  elaboradas leis específicas para a proteção da infância e do adolescente, sendo que desde  as primeiras civilizações o homem demonstrou interesse e preocupação em proteger os menores.
Constitucionalmente os pais devem obedecer a responsabilidade em garantir qualidade de vida e segurança para os seus filhos, cumprindo as obrigações descritas na Carta Maior em seu artigo 229  “assistir, criar e educar os filhos”.
Os diferentes papéis exercidos pelos membros de uma família, os direitos igualitários, a independência da mulher, os casamentos de divorciados, as famílias monoparentais fazem com que de pais instrutores passem a ser apenas pais provedores, jogando para a escola a responsabilidade de educar incluindo a imposição de limites.
Por consequência, percebe-se uma sociedade com jovens cheios de insegurança,  desrespeito,  falta de vínculo e o não saber lidar com conflitos e a frustração de quando algo lhes é negado.
O que mais estes jovens necessitam é a atenção, é serem ouvidos e orientados. Eles pedem por limites e com medo de perderem o amor dos filhos, para compensar a ausência devido ao trabalho, muitas famílias acabam por liberar geral e quando querem retomar o processo de educação com os filhos, já é tarde demais.
A cidadania deve ser aprendida em casa e não na escola, como vamos cobrar de nossos filhos responsabilidade, se os pais não cumprem o papel de educá-los para a vida não acompanhando a vida acadêmica deles? Por que é necessário o Conselho Tutelar ser acionado para saber os  porquês de faltas, ausência da família no processo pedagógico?
A família precisa retomar o seu papel e atender aos seus filhos enquanto estiverem sob a sua guarda. É dever dos pais acompanharem o processo ensino-aprendizagem, assim como é direito da criança e do adolescente ter a oportunidade de qualidade de ensino e ser assistido no processo educacional.
O direito a educação está previsto nos artigos 205 a 214 da Constituição Federal sendo garantia fundamental a todo indivíduo, sendo de responsabilidade do  Estado proporcionar a efetivação desse direito adquirido sob a luz da Constituição Federal.
“A idade escolar não é mais a idade dos sete aos quatorze anos, como dispunha a revogada Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971). A partir da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Ensino Fundamental é direito público subjetivo de toda criança e adolescente. Enquanto não concluído o Ensino Fundamental, têm crianças e adolescentes o direito de frequentar a escola e, em decorrência, têm os pais o dever de tomar as providências para a matrícula.” (LOUREIRO, 2005)
É dever da escola e daqueles que souberem de situações em que a criança não está matriculada, faltas sem justificativas ou não há um acompanhamento por parte dos pais no processo educativo acionar o Conselho Tutelar para que tomem-se as providências plausíveis junto a legislação em vigor e a criança ou adolescente sejam atendidos de maneira adequada e orientados, assim como a família que deverá vir a responder pelas faltas cometidas.
A legislação brasileira garante o Ensino Fundamental e impõem aos mecanismos protetivos a criança e o adolescente. Aos responsáveis cabe o dever em matricular e acompanhar o processo de ensino-aprendizagem, sob pena de abandono intelectual respondendo juridicamente caso não cumpram as exigências legais, pois de acordo com o artigo 54, § 3 do Estatuto da Criança e do Adolescente possibilitando a perda do poder familiar.
Cabe a Constituição Federal, o Código Penal, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente tem por intuito proteger as crianças e os adolescentes livrando-os das opressões, abandono intelectual/moral e violência para que tenham uma infância e uma adolescência segura, orientada e tranqüila, assim como lhe garantir os direitos que lhes são assistidos pela legislação em vigor.
Sabe-se que a legislação brasileira voltada à proteção da criança e do adolescente não será suficiente se não houver as devidas denúncias para que sejam feitas as respectivas investigações para que se coloque em vigor os artigos que constam no Código Penal brasileiro, ECA e Constituição Federal junto com as demais leis para se fazerem por cumprir a segurança e bem-estar dos envolvidos.
É dever de o Estado olhar por nossas crianças, protegê-las de qualquer situação que venha a se tornar ameaçadora a elas, dando-lhes amparo e segurança, pois são elas nosso futuro.

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