Onze de abril, 16h39, Sâmia Bomfim fez uma transmissão ao vivo, avisa o Facebook. “Quero saber se o senhor tem orgulho de, em quatro meses de mandato, ter dois pedidos de cassação por quebra de decoro por não saber se comportar como vereador?”, indaga a vereadora do PSOL ao colega Fernando Holiday (DEM), em vídeo gravado no plenário da Câmara Municipal de São Paulo e visto 98 mil vezes.
Às 18h01, naquela mesma terça-feira, Holiday publica sua réplica, também na rede social. “A vereadora do PSOL, se olhasse para o próprio partido, teria vergonha na cara em vez de ficar apontado o seu dedo sujo para este ou aquele parlamentar dentro dessa Casa”, diz ele no vídeo feito minutos antes durante a sessão plenária. Já foram 198 mil visualizações na internet.
Não é preciso acompanhar as sessões da Câmara para saber, em tempo real, que os novatos Holiday, de 20 anos, e Sâmia, de 27, protagonizam no Legislativo paulistano a polarização entre direita e esquerda que divide o País. Em menos de quatro meses da nova legislatura, os dois lados colecionam rixas reais e virtuais que resultaram em seis pedidos de cassação de mandato – mais do que a soma das últimas três legislaturas (2009-2016).
Dois pedidos relacionados à troca de acusações de agressão e invasão de gabinete entre Holiday e a vereadora Juliana Cardoso (PT) já foram arquivados. Outros quatro estão sob análise, entre eles o pedido contra o vereador Camilo Cristófaro (PSB), acusado de ter xingado Isa Penna, suplente de vereador pelo PSOL, de "vagabunda" dentro do elevador da Câmara. Alvo de três pedidos, Holiday é o mais acionado na Corregedoria. Uma das representações feita pelo PSOL e pelo PT condena as visitas feitas por ele a escolas municipais para constatar se há "doutrinação" política de alunos por professores de esquerda.
Na briga mais recente, iniciada há duas semanas, o parlamentar do DEM foi acusado por Sâmia de ter divulgado ilegalmente seu telefone em grupos de WhatsApp em uma mensagem que pedia aos seguidores para “convencê-la” a combater o que a direita classifica como “doutrinação das escolas”. A mensagem tinha o logo do Movimento Brasil Livre (MBL), do qual Holiday é coordenador. Ela registrou queixa na polícia por ameaça e pediu a cassação de Holiday na Câmara. Ele nega envolvimento e diz que o fato pode ter sido criado pelo PSOL.
Fla x Flu. Apesar do antagonismo ideológico, ambos rejeitam o que chamam de “velha política” e utilizam estratégias semelhantes de atuação para angariar apoio e marcar posição em seus redutos eleitorais, as redes sociais. “Toda ação aqui dentro é uma postagem”, resume Sâmia, que viu o número de seguidores no Facebook dobrar após a polêmica com Holiday. Nenhum “ataque” da direita fica sem resposta da esquerda, e vice-versa. “Essa rapidez das redes sociais acaba favorecendo esse ambiente (de conflito)”, afirma Holiday, cujo número de fãs subiu 160% depois da eleição.
"Não entrei para me render à dinâmica da velha política, mas para continuar sendo uma ativista, usando o mandato para vocalizar as demandas sociais. Vejo que o Holiday também tenta fazer isso, mas com as bandeiras que ele defende", explica Sâmia. “Nós dois procuramos manter, pelas redes sociais, e-mails e WhatsApp, essa comunicação direta e constante com o nosso eleitorado. A polêmica, quando é fora do campo pessoal, traz um ritmo novo à Câmara”, completa Holiday.
Ambos admitem que seus redutos eleitorais gostam da polarização política e que, mesmo em plenário, discursam para o público externo, que o assistirá em seguida pela internet. Embora já seja copiada por alguns colegas de Legislativo, a prática já começa a incomodar alguns vereadores mais rodados. É o caso do corregedor Souza Santos (PRB) – três mandatos –, a quem cabe apurar as denúncias de quebra de decoro. “O Parlamento é o lugar para se discutir a cidade e não para picuinhas. Parece briga de criança, molecagem. Não caiu a ficha ainda de que são vereadores”, criticou.
"Cada vereador tem seu estilo. Eles (Sâmia e Holiday) são jovens e inteligentes, sabem explorar muito bem essa tecnologia disponível hoje para falar com o público deles. Também são muito rápidos, têm resposta para tudo. Acho que esse calor e essa empolgação é normal no início do mandato, mas de vez em quanto eles dão uma escorregada", avalia Adilson Amadeu (PTB), em seu quarto mandato consecutivo.
Contra. Para a cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), o uso das redes sociais como ferramenta política é positivo, mas não pode ser exclusivo na atuação parlamentar. “Sem dúvida isso aumenta a participação dos jovens na política, o que é positivo, mas são quatro anos de mandato. Eles precisam apresentar projetos de interesse da cidade para não caírem em descrédito.”
Tanto Sâmia e Holiday temem esse cenário e já lançaram algumas propostas na Câmara. A vereador do PSOL já conseguiu aprovar a CPI da Violência contra a Mulher, enquanto parlamentar do DEM apresentou projetos de regularização fundiária e para desburocratizar o serviço público. Mas a rusga entre ambos parece estar longe de terminar. Holiday quer emplacar seu projeto "escola sem partido", enquanto Sâmia defende a proposta "escola sem censura".
"Protocolamos esse projeto em defesa dos debates plurais e democráticos nas escolas, contra a ditadura do pensamento único e em respeito ao magistério. Nesse sentido, buscamos um resultado concreto dessa batalha política, porque essa polarização virtual se dissipa se você não constrói nada", afirma Sâmia. "Essa polêmica envolvendo a escola sem partido é válida porque trouxe à discussão um projeto que está sendo discutido em nível nacional", concorda Holiday.